sábado, 30 de março de 2013

Sabe com quem está falando?

A nossa incomparável importância, segundo Mario Sergio Cortella:



quinta-feira, 21 de março de 2013

Onde estará o meu amor?




Onde estará o meu amor?
(Chico César)

Como esta noite findará
E o sol então rebrilhará
Estou pensando em você...
Onde estará o meu amor?
Será que vela como eu?
Será que chama como eu?
Será que pergunta por mim?
Onde estará o meu amor?
Se a voz da noite responder
Onde estou eu, onde está você
Estamos cá dentro de nós
Sós...
Se a voz da noite silenciar
Raio de sol vai me levar
Raio de sol vai lhe trazer
Onde estará o meu amor?

quarta-feira, 13 de março de 2013

Clichê

Hoje vi um casal andando na praia. Não era bem um casal de velhinhos, mas de pessoas com mais idade. Vinham de mãos dadas. O indicador da mão direita dela pendurado suavemente na mão esquerda dele, encaixado apenas o suficiente para não soltar. Os dois conversavam. E riam. A expressão zombeteira dele, quase séria, constrastando com o sorriso escancarado dela. A cena toda, um verdadeiro clichê do amor romântico. Do tipo que faz a gente continuar acreditando nessa história de viver apaixonado. Apesar das dúvidas. Provavelmente, a vida deles não são flores, o amor nem é tão bonito. Mas, naquele momento, a conversa, as mãos e o riso eram a imagem perfeita de como o amor deve ser.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Algumas palavras

Ausência. Uma falta que fica ali presente.

Belo. Tudo que faz os olhos pensarem que são coração.

Desejo. (...) Para agonia, calma. Para a alma, céu. Para um corpo, outro. Para a boca, beijo.
E comida para todos.

Deus. Só Deus sabe.

Efêmero. Quando o eterno passa logo.

Gula. Quando chocolate é mais importante que espelho.

Impasse. Muro que se coloca entre você e a decisão, talvez só para ver até onde vai a sua vontade.

Infância. O prefácio da pessoa.

Janela. Por onde entra tudo que é lá fora.

Lágrima. Sumo que sai pelos olhos quando se espreme um coração.

Léu. Lugar aonde vai o que vai a lugar nenhum.

Namoro. Quando o universo inteiro em volta importa menos do que abraço.

Obscuro. Escuro que às vezes acontece mesmo quando as luzes estão acesas.

Ousadia. Quando o coração diz pra coragem "vá" e a coragem vai mesmo.

Outro. Tudo que não cabe no espaço em que você ocupa.

Poeta. Quem nasceu com talento para pôr do sol.

. Você com uma porção de vocês em volta.

Tédio. Um nada por dentro que não deixa ver nada lá fora.

Universo. Um só verso que contem toda a poesia desse mundo.

(Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento, Adriana Falcão)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Escuta Só

Ler sobre música talvez seja desnecessário. O melhor mesmo é ouvir. Mas quando as palavras nos guiam por caminhos musicais desconhecidos, que nem pensávamos em percorrer, a música pode abrir universos inteiros de sons e de significação. E então aprendemos a ouvir.
Música como forma de conhecer o mundo é o princípio fundamental de Alex Ross, nosso guia em Escuta Só - Do Clássico ao Pop. O livro reúne artigos publicados na revista New Yorker e alguns inéditos, indo de Mozart a Radiohead, expandindo, assim, nosso próprio conceito de música.
"No fim das contas, a parte difícil de escrever sobre música não é descrever um som, mas descrever um ser humano", diz Ross. E é o que faz de Escuta Só não apenas um livro sobre música. São perfis que tentam apreender a alquimia do subjetivo com o abstrato. "Acima de tudo, eu quero saber como uma poderosa personalidade pode imprimir-se em um meio de natureza inerentemente abstrata - como uma breve sequência de notas ou acordes pode assumir as peculiaridades reconhecíveis de uma pessoa próxima."
Mozart, Schubert, Verdi, Brahms, John Luther Adams, John Cage. O maestro Esa-Pekka Salonen, as cantoras Marian Anderson e Lorraine Hunt Lieberson, o St. Lawrence Quartet. A música clássica na China, numa escola de Nova Jersey, num retiro de músicos. Radiohead, Björk, Bob Dylan. Escuta Só é um passeio por diferentes sonoridades com "alguns vislumbres  prolongados de todas essas naturezas sensíveis".
*
"Certa vez o compositor Morton Feldman contou uma história sobre música e significado: 'Dois sujeitos visitam Haydn, dois jornalistas de Colônia. Perguntam-lhe sobre peças literárias, programáticas, e ele diz: 'Sim, escrevi uma peça que era um diálogo entre Deus e um pecador'. Grande tema, certo? E eles perguntaram: 'Qual é o nome da peça?'. Ele respondeu: 'Esqueci''.
A piada de Feldman, baseada num episódio da biografia de Haydn, poderia ter por objeto Johannes Brahms. Poderia ter sido contada por Brahms. Esse titã da música alemã, que Hans von Bülow pôs ao lado de Bach e Beethoven na liga dos 'três bês', tinha um senso de humor malicioso e com frequência fazia uma variação sobre aquela pequena dança com significado - uma ameaça de revelação, um rápido passo para trás.
(...)
O terror radiante das obras de Deus encontra um análogo num tour de force de estilos do passado e do presente. Seguem juntos chacona e lamento, Bach e Wagner, coral e melodia folclórica, banda de aldeia e orquestração protomodernista. O final da Quarta de Brahms é uma Götterdämmerung em nove minutos, um apocalipse em tempo restrito, história musical no osso. No centro, não há nada, o vazio cinzento que o primeiro movimento revelou em dois ou três lampejos amendrontadores. O conjunto todo parece uma prova convincente da máxima de Nietzsche de que sem música a vida seria um erro."

(Do capítulo "Abençoados sejam os tristes: O Brahms tardio")
*
Ao final, Ross dá sugestões para ouvir algumas das obras comentadas ao longo do livro. Uma pequena lista está disponível no site http://www.therestisnoise.com/2006/07/listen-to-this-playlist.html
Uma das indicações é "Un sarao de la chacona", dança do século XVII, composta por Juan Arañés, interpretada por Jordí Savall com o Hispèrion XXI e La Capella Reial de Catalunya. Escuta só:

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O lobo da estepe

" - Você trazia no íntimo uma imagem da vida, uma fé, uma exigência; estava disposto a feitos, a sofrimentos e sacrifícios, e logo aos poucos notou que o mundo não lhe pedia nenhuma ação, nenhum sacrifício nem algo semelhante; que a vida não é nenhum poema épico, com rasgos de heróis e coisas parecidas, mas um salão burguês, no qual se vive inteiramente feliz com a comida e a bebida, o café e o tricô, o jogo de cartas e a música de rádio. E quem aspira a outra coisa e traz em si o heróico e o belo, a veneração pelos grandes poetas ou a veneração pelos santos, não passa de um louco ou de um Quixote. Pois bem, meu amigo, comigo também foi assim! Eu era uma jovem bem-dotada, com vocação para viver dentro de um elevado padrão, para esperar muito de mim mesma e para realizar grandes feitos. Poderia ter um belo futuro, ser a esposa de um rei, a amante de um revolucionário, a irmã de um gênio, a mãe de um mártir. E a vida só me permitiu ser uma cortesã de mediano bom gosto, o que já se vai tornando bastante difícil para mim! Foi isso o que me aconteceu. Fiquei algum tempo desconsolada e procurei com afinco a culpa em mim mesma. A vida, pensava eu, sempre acaba tendo razão, e se a vida se ria dos meus belos sonhos, pensava, era porque meus sonhos tinham sido estúpidos e irracionais. Mas isso não me valeu de nada. Mas como tivesse bons olhos e ouvidos, e, além disso, fosse curiosa, examinei a vida com certa atenção, observei meus vizinhos e conhecidos, mais de cinquenta pessoas e destinos, e percebi então, Harry, que meus sonhos estavam certos, estavam mil vezes certos, assim como os seus. Mas a vida, a realidade, não tinha razão. O fato de uma mulher da minha classe não ter alternativas senão envelhecer de uma maneira insensata e pobremente junto a uma máquina de escrever a serviço de um capitalista, ou casar-se com ele por seu dinheiro ou converter-se numa espécie de meretriz, era tão injusto quanto o de um homem como você, solitário, tímido e desesperado, ter de recorrer à navalha de barbear. Talvez a miséria em mim fosse mais material e moral, e em você mais espiritual; mas o caminho era o mesmo. Pensa que eu não pude reconhecer a sua angústia diante do foxtrote, sua repugnância pelos bares e pelos dancings, sua hostilidade para com a música de jazz e tudo o mais? Compreendia e muito bem, como compreendia seu horror pela política, sua tristeza pelo palavreado vão e a conduta irresponsável dos partidos e da imprensa; seu desespero diante da guerra, as passadas e as futuras; pela maneira como hoje se pensa, se lê, se edifica, se compõe música, se celebram as festas e se educa! Você tem razão, Lobo da Estepe, mil vezes razão, e contudo terá de perecer. Vive demasiadamente faminto e cheio de desejos para um mundo tão singelo, tão cômodo, que se contenta com tão pouco; para o mundo de hoje em dia, que lhe cospe em cima, você tem uma dimensão a mais. Quem quiser hoje viver e satisfazer-se com a vida, não pode ser uma pessoa assim como você e eu. Quem quiser música em vez de balbúrdia, alegria em vez de prazer, alma em vez de dinheiro, verdadeiro trabalho em vez de exploração, verdadeira paixão em vez de jogo, não encontrará guarida neste belo mundo...
Olhou para baixo, meditando."

(O lobo da estepe, Hermann Hesse)

domingo, 20 de janeiro de 2013

Liberal Arts

"Ninguém se sente como um adulto. É o segredo do mundo."

(Peter Hoberg, em Liberal Arts, filme escrito, dirigido e estrelado por Josh Radnor)



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Hunter S. Thompson por ele mesmo

Res Ipsa Loquitur. A coisa fala por si mesma. Este é o refrão. O medo é o fio condutor. O bizarro profissional, mas nada de paranoia. Com o perdão da obviedade, a única coisa que se compara à leitura da autobiografia de Hunter S. Thompson é ler o que quer que seja de Hunter S. Thompson - se é que tudo o que ele escreveu já não fosse autobiográfico. Res Ipsa Loquitur. No caso de "Reino do medo", a vida fala por si mesma. 

"Sou um músico confuso que perdeu o rumo nesse maldito negócio da Palavra por tanto tempo que me esqueci de retornar à música - a não ser, talvez, quando me encontro extraordinariamente sozinho num recinto silencioso com apenas uma máquina de escrever para tocar e saudade de escrever músicas. Vai saber por quê. Talvez eu apenas sinta vontade de cantar - então bato à máquina.
Essas ágeis teclas elétricas são ao mesmo tempo meu Instrumento, minha harpa, meu microfone RCA de válvula de vidro e meu sofisticado saxofone soprano. Essa é a minha música, para o bem e para o mal, e há noites em que ela faz com que eu me sinta um deus. Veni, Vidi, Vici... É aí que começa a diversão..
(...) Então quem sabe possamos considerar que meu trabalho é em parte (ou todo, às vezes) geneticamente governado por meus frustrantes fracassos musicais, que levaram a uma presunçosa sublimação de meus instintos musicais essenciais, que com certeza me perseguem de modo tão flagrante quanto dominam minhas letras de música."

"Sempre tive e ainda tenho a ambição de escrever ficção. Nunca tive nenhuma verdadeira ambição no jornalismo, mas os acontecimentos, o destino e meu próprio senso de diversão continuam me fazendo voltar por causa de dinheiro, de razões políticas, e também porque sou um guerreiro. Nunca encontrei uma droga que chegasse perto da piração de sentar numa mesa e ficar escrevendo, tentando imaginar uma história, não importa o quão bizarra seja, ou então de sair e penetrar na bizarrice da realidade, passando um tempinho na Estrada do Orgulho." (Março de 1990, entrevista a William Mckeen)

"É o aspecto mais desconcertante desse instável personagem. Como ele consegue? Passamos a noite bebendo sem parar. Está com a cabeça cheia de THC. De vez em quando, como um tamanduá, ele enterra o nariz e volta engasgando. Dunhills são consumidos ininterruptamente. Ele segue o horário de um vampiro que chupa o sangue dos maníacos por velocidade. E ainda assim... ainda assim, ele faz sentido. Para mim, faz mais sentido que qualquer outra pessoa escrevendo hoje, porque ele ENTENDE O QUE ESTÁ ACONTECENDO.
(...) 'Fiz a minha escolha há muito tempo', diz o doutor enquanto olha pela mira. 'Alguns dizem que sou um lagarto sem pulsação. A verdade é... Jesus, vai saber. Nunca achei que passaria dos vinte e sete. Todo dia, fico tão impressionado quanto os outros quando me dou conta de que ainda estou vivo.'
É possível que ele não saiba, mas duvido disso. Percebo, através do nevoeiro em meu próprio cérebro, que o dr. Thompson está numa espécie de estado de graça psicofisiológico, porque durante todos esses anos ele permaneceu fiel a si mesmo."
(Richard Stratton, High Times, agosto de 1991)

"É por isso que  venero Deus em segredo, amigos. Ele teve o bom senso de me deixar em paz para escrever sozinho algumas genuínas páginas em preto-e-branco, para variar."
(HST, setembro de 2002)

sábado, 12 de janeiro de 2013

As boas coisas da vida

Rubem Braga

Uma revista mais ou menos frívola pediu a várias pessoas para dizer "dez coisas que fazem a vida valer a pena". Sem pensar demasiado, fiz esta pequena lista:

- Esbarrar às vezes com certas comidas da infância, por exemplo: aipim cozido, ainda quente, com melado de cana que vem numa garrafa cuja a rolha é um sabugo de milho. O sabugo dará um certo gosto ao melado? Dá: gosto de infância, de tarde na fazenda.

- Tomar um banho excelente num bom hotel, vestir uma roupa confortável e sair pela primeira vez pelas ruas de uma cidade estranha, achando que ali vão acontecer coisas surpreendentes e lindas. E acontecerem.

- Quando você vai andando por um lugar e há um bate-bola, sentir que a bola vem para seu lado e, de repente, dar um chute perfeito - e ser aplaudido pelos serventes de pedreiro.

- Ler pela primeira vez um poema realmente bom. Ou um pedaço de prosa, daqueles que dão inveja na gente e vontade de reler.

- Aquele momento que você sente que de um velho amor ficou uma grande amizade - ou que uma grande amizade está virando, de repente, amor.

- Sentir que você deixou de gostar de uma mulher que, afinal, para você, era apenas aflição de espírito e frustração da carne - a mulher não te deu e não te dá, essa amaldiçoada.

- Viajar, partir….

- Voltar.

- Quando se vive na Europa, voltar para Paris; quando se vive no Brasil, voltar para o Rio.

- Pensar que, por pior que estejam as coisas, há sempre uma solução, a morte - o assim chamado descanso eterno.

(Pequena homenagem ao centenário de nascimento de Rubem Braga, ele mesmo uma das melhores coisas da vida. Mais do grande cronista em "A poesia da vida real")

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Submarine

"Hoje à noite, me deparei com um texto sobre ultrassom. Ultrassom é uma vibração de alta frequência que é inaudível. Foi desenvolvido para localizar objetos submersos: submarinos, bombas de profundidade, Atlantis e tal. Alguns animais, como morcegos, golfinhos e cães podem ouvir na frequência ultrassônica. Mas nenhum ser humano pode. Ninguém realmente sabe o que alguém pensa ou sente. O que há dentro da minha mãe? O que há dentro do meu pai? O que há dentro de Jordana? Estamos todos viajando sob o radar, sem sermos detectados. E ninguém pode fazer nada a respeito." (Oliver Tate, em Submarine)



Mais lindo que o filme, só a trilha sonora do Alex Turner (Arctic Monkeys):



quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O mar, o mar

"Então, reencontrar o grande amor da vida depois de tantos anos, era aquilo? E não havíamos sido as tímidas, francas e inocentes criaturas que certa vez havíamos sido um para o outro? A natureza de nossa conversa jamais fora corrompida, e, nessa desajeitada conversação, sua nota poderia ser inequivocamente ouvida outra vez. Talvez eu realmente pudesse, através dela e através de nosso antigo amor infantil, agora irremediavelmente casto, ser capaz de me tornar aquilo que desejei vir a ser quando vim para o mar - um puro de coração."
(O mar, o mar, Iris Murdoch)

(Fui arrastada para esse livro por dois motivos: primeiro, conhecer o trabalho da escritora e filósofa inglesa Iris Murdoch, belamente retratada em Iris, filme de 2001, estrelado por Kate Winslet e Judi Dench; e também pela história em si, a vida de Charles Arrowby, famoso diretor de teatro que abandona tudo para viver em paz e solidão perto do mar - uma espécie de Walden moderno, pensei. A surpresa (e, em parte, a decepção) foi encontrar uma história de reencontro com o primeiro amor - o patético da obsessão e a desilusão final como catarse pessoal inesperada).

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

(Trabalho lindo da Mariana Caldas, no poeme-se)

sábado, 15 de dezembro de 2012

Mary Poppins e eu

Mary Poppins foi meu Papai Noel. Em nenhuma época da minha infância, lembro de ter realmente acreditado que Papai Noel existisse, ou de ter me importado de verdade com ele. Mas na Mary Poppins eu acreditava. Para mim, ela de fato existia e morava em algum lugar mágico. Ou em Londres mesmo. Viajar de guarda-chuva era um de seus atributos especiais, mas não por isso impossíveis. Se havia trenós com renas e bruxas em vassouras, por que não uma babá de guarda-chuva? Não era apenas perfeitamente plausível, mas até mesmo natural. O fantástico se naturalizava porque o encantamento era mais forte que o real. E eu ansiava por aquela espécie de magia, capaz de transformar as pessoas em seres melhores e mais felizes. A verdadeira mágica estava aí, e por isso eu realmente acreditava nela.
"Uma colher de açúcar ajuda o remédio a descer" era a principal lição nessa aprendizagem da alegria. A infância recuperada como o tempo e o espaço da diversão, da descoberta. Bastava um pouquinho de açúcar, e quem, por mais miserável que fosse, não teria um pouquinho de açúcar para dar?

Por muito tempo, esperei por Mary Poppins. Sonhava em entrar num desenho no chão de uma praça, brincar com bichinhos animados que cantavam e dançavam, apostar corrida em cavalo de carrossel. Praticava diligentemente, como um mantra ou uma oração, a pronúncia da palavra mais poderosa de todas: "supercalifragilisticexpialidocious" (que, então, eu dizia "supercalifragiliexpialicious"). Também queria visitar o Tio Albert, cuja "doença" era não conseguir parar de rir. E suspirava apaixonadamente pelo Bert (nossa relação era desde cedo ambígua, porque ao mesmo tempo em que o imaginava como um tio, queria me casar com ele).

Depois de esperar por Mary Poppins, passei a querer ser ela. Assim como algumas pessoas querem ser anjos. Era minha referência mais real de ascese espiritual e de busca possível por uma bondade fundamental (bondade no sentido em que dizemos que alguém é "bom", mas principalmente  na concepção de "bondoso" - o bem aliado à benevolência e ao contentamento, simples mas difícil de se alcançar). Ainda é.
Rever Mary Poppins foi uma viagem emocional à minha infância e àquela parte de mim que ainda acredita que uma colher de açúcar ajuda a descer qualquer remédio.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

silêncio

silêncio
palavra que cala

e anuncia
um mundo de nada

e tudo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O Pasquim

Pasquim: jornal crítico ou calunioso, geralmente impresso de forma simples; jornal de má qualidade, jornaleco; escrito satírico afixado em local público. Estas são as definições do Dicionário Aulete. Mas se você juntar Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo, Sérgio Cabral, Sérgio Augusto, Fortuna, Luiz Carlos Maciel, Ivan Lessa, Henfil, Tarso de Castro, Paulo Francis, entre outros (incluindo aqui os colaboradores eventuais, como Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Rubem Braga, Glauber Rocha, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Fonseca, Caetano Veloso...), vai saber o que realmente significa O Pasquim. Um grupo de jornalistas, escritores, cartunistas e humoristas se reúne no final dos anos 60, em pleno regime militar, para fazer um jornal de oposição. A principal arma: o humor.
O primeiro volume de O Pasquim - Antologia (ao todo, foram publicado três volumes, organizados por Sérgio Augusto e Jaguar) traz o que de melhor foi produzido durante os dois primeiros anos do jornal (e é tanta coisa boa que fica difícil escolher o que citar para dar ideia da insanidade criativa da famosa patota). Na introdução, Sérgio Augusto explica o que foi O Pasquim:

"Foi o maior fenômeno editorial da imprensa brasileira. E não adianta discutir. O Cruzeiro? Tinha atrás de si uma poderosa empresa jornalística, os Diários Associados de Assis Chateubriand. Veja? Ora, veja. Com a editora Abril bancando a aventura, modéstia à parte, até eu. Atrás de O Pasquim, só havia um punhado de porras-loucas.
Assumidamente nanico, moleque, paroquial e abusado, nasceu sob a suspeita de que duraria pouco tempo; menos até que os oito números da Pif-Paf, criada em 1964 por Millôr Fernandes e inviabilizada pela censura dos milicos que naquele ano haviam assumido o poder. Mas durou, afinal, 1072 números - o equivalente a 22 anos de vida.
As suspeitas iniciais tinham razão de ser. Onde já se viu um jornal sem patrão, onde todos os colaboradores podiam escrever o que bem entendessem e como bem entendessem? Pois a velha utopia de dez em cada dez jornalistas revelou-se, mais do que factível, um sucesso - fulminante e retumbante. A tal ponto que o cético Millôr, que no primeiro número previra menos de três meses de vida para o solerte hebdomadário, admitiu, já no quarto número, que se equivocara.
(...) Foi, sem dúvida, um risco; quase uma bravata. Entre setembro de 1968, quando a ideia do jornal não era mais que um brilho nos olhos de Jaguar e Tarso de Castro, e 26 de junho de 1969, quando o primeiro número chegou às bancas, os generais haviam 'legalizado' a ditadura com o AI-5 e a censura apertara as cravelhas nas redações menos dóceis ao novo regime. O Pasquim não pagou barato pela audácia de já nascer 'do contra' (sobretudo contra as babaquices da classe média) e 'livre como um táxi', 'equilibrado como um pingente', 'incômodo como um folião num velório'. E ainda que nos primeiros tempos fosse mais folgazão, gozador, festivo (a expressão 'esquerda festiva' foi inventada por um dos seus colaboradores, Carlos Leonam) e atento a questões de comportamento, aos poucos deixou-se contaminar pelo inevitável: a indignação política. Sem, contudo, abrir mão do velho preceito de Horácio (reciclado poe Jean de Santeuil): o riso é a melhor arma contra todas as imposturas."


Segue um documentário realizado pela TV Câmara sobre a história do jornal:


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Billy Eckstine por Ivan Lessa

 "Gente é mito. Mito é você, meu bem, 10 minutos depois que eu fui embora. Mito sou eu, no meu táxi, enquanto você dá a corda no despertador. Mito é sempre ontem, mito é sempre longe. Parte do mito que deixamos com os outros e que os outros deixam com a gente está na voz. Alguém na janela dizendo que é hora de almoço, a voz do amigo repetindo que é tarde demais, o pai falando 'durma... durma, meu filho...' e as pessoas nos quadros. E as pessoas nos livros. E nos jornais. E nos cinemas. E na televisão. E nos discos. Todas, todas querendo dizer alguma coisa. Que é assim mesmo. Ou que não deveria ser assim. É sim e é não e é talvez. Isto o que fica. Este o jeito pequeno, muito pequeno, com que damos e recebemos coisas. A vida vai indo e o coro é cada vez maior. Há que apurar os ouvidos e catar as vozes que nos interessam. Para melhor ou para pior, estamos a elas afinados.
Quando a telefonista do The White House Hotel, em Albany Street, Regent's Park, me deu o quarto 340 e alguém do outro lado da linha atendeu, expliquei que estava tentando localizar o sr. Eckstine. A voz me disse:
- Speaking.
23 anos depois de, na Calle Corrientes, em Buenos Aires, numa cabina de casa de discos eu ter escutado pela primeira vez (Just An Old Love Of Mine) a voz de Billy Eckstine, o mito de minha vitrola parou de cantar e começou a falar:
- Speaking.
E esperou para ouvir o que eu tinha a dizer. Não era muito. Expliquei que, na verdade, tentava localizá-lo há 23 anos. Riu. Vim com a conversa de que era um Brazilian journalist coisa e tal.

(...) Em 1949, Sinatra sussurrava que 'os tolos seguem caminhos temidos pelos anjos' (Fools Rush In). Eckstine, passando por cima do clichê, afirmava que a viagem era tudo, a paisagem o ponto principal. Sua voz era aqui e agora. Seu conceito de canção, um enorme 'sim'.

(...) Eckstine está com 50 e muitos. A voz adquiriu uma textura ainda mais profunda de couro marrom-escuro. Nela pode-se distinguir um trombone de vara, a seção de metais da orquestra de Duke Ellington, um piano de Nova Orleans, cabarés infames de Chicago, o polimento de Detroit, a poluição de Pittsburgh, a glória que foi o Carnegie Hall. E se você prestar muita atenção: tanto bate-papo entre disc-jockeys e representantes das fábricas de discos, agentes com charuto na boca discutindo preços, músicos ganhando 25 dólares para ficar a noite inteira acompanhando um boboca de violão em punho e, felizmente, Jelly, Jelly."

(Ivan Lessa, "Entrevista Billy Eckstine" - uma das melhores que já li! - O Pasquim, Antologia)


domingo, 25 de novembro de 2012

Felicidade é um cobertor quente

"Eu preciso do meu cobertor! Eu admito! Olhe para vocês. Quem entre vocês não sente insegurança? Quem entre vocês não depende de alguém ou de alguma coisa para ajudar a passar o dia? Quem entre vocês pode atirar a primeira pedra?" (Linus, Peanuts, Charles Schulz)



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Um banquinho, um violão (uma guitarra, um ukelele)

Documentário e show ou show permeado de imagens de Eddie Vedder fora do palco, viajando, escrevendo música, surfando ou cortando coco em sua casa no Havaí. Conversa e risos no palco. Versões acústicas para músicas do Pearl Jam, canções da carreira solo - algumas da trilha sonora de Na natureza selvagem (preciosidade o Vedder falando sobre o Chris McCandless entre Guaranteed e Setting Forth) -, a voz da EJ Barnes em Golden State ("We are luck, we are fate, we are the feeling you get in the golden state..."), belas interpretações de músicas de Bob Dylan (Girl from the North Country, Forever Young). Tudo isso e um pouco mais é Water on the Road: Eddie Vedder Live.


Sometimes

Large fingers pushing paint
You're God and you got big hands
The colours blend
The challenges you give man

Seek my part
Devote myself
My small self
Like a book amongst the many on a shelf

Sometimes I know
Sometimes I rise
Sometimes I fall
Sometimes I don't
Sometimes I cringe
Sometimes I live
Sometimes I walk
Sometimes I kneel
Sometimes I speak of nothing at all
Sometimes I reach to myself
dear God

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Poeme-se

(Poema de Vânia Jordão)


(Essa versão em pontos de ônibus de Vitória, com arte de Maiara Dias, faz parte do projeto de arquitetura e urbanismo Pontos de Arte, desenvolvido na Universidade Federal do Espírito Santo)

terça-feira, 6 de novembro de 2012

On the road, o filme (ou o livro?)

Literatura e cinema. Será que uma grande obra literária sobrevive à sua adaptação cinematográfica? Estava até com medo de assistir a On the road, só para não ter que pensar nestas questões, aliás, bem batidas. Livro é livro, filme é filme, e é inútil tentar comparar duas linguagens tão específicas e distintas entre si. Mas no caso de Jack Kerouac, não resisti à tentação da comparação.
Além de perder a forte sensação de "vida vivida" provocada pelo texto, meu maior receio antes de ver o filme era o de encontrar alguns de meus personagens literários favoritos mortos e esquartejados. Bom, Sal Paradise e Dean Moriarty até estão bem representados em sua versão cinematográfica, mas não são o Sal Paradise e o Dean Moriarty a quem contemplei, muito mais que libertários de tabus sociais, como verdadeiros espíritos livres, de uma liberdade de outra espécie, uma dimensão outra do que é ser livre.
Além da diferença - natural, por sinal - de representações mentais, quem ama o livro também corre o risco de esperar em vão pelas citações de algumas de suas passagens favoritas na narração em off. A delícia das palavras se perde...

A propósito da relação entre literatura e cinema, Gabriel García Márquez disse algo genial, em uma entrevista a Glauber Rocha:
"Um texto literário, de qualidade, é infilmável. Nada mais anticinematográfico que uma novela. Um filme baseado em roteiro não passa de uma ilustração, que pode ser bem feita, mas perderá sempre uma certa dimensão. Um poema é muito mais perto de um filme. Se eu fosse cineasta filmaria como se escrevesse um poema, inventando imagens."

Cinema e literatura. Talvez também seja válido o questionamento na direção oposta do fluxo entre as duas artes. Será que o filme, por si só, é capaz de criar o entusiasmo pela obra de Kerouac e levar os espectadores que não a conhecem a procurar e explorar seus livros? No caso de On the road, tenho minhas dúvidas...

Discussões batidas à parte, fica a dica. Do filme. E principalmente do livro.

"Amarguras, recriminações, conselhos, moralidade, tristeza - tudo lhe pesava nas costas, enquanto à sua frente se descortinava a alegria esfarrapada e extasiante de simplesmente ser."