quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

(Trabalho lindo da Mariana Caldas, no poeme-se)

sábado, 15 de dezembro de 2012

Mary Poppins e eu

Mary Poppins foi meu Papai Noel. Em nenhuma época da minha infância, lembro de ter realmente acreditado que Papai Noel existisse, ou de ter me importado de verdade com ele. Mas na Mary Poppins eu acreditava. Para mim, ela de fato existia e morava em algum lugar mágico. Ou em Londres mesmo. Viajar de guarda-chuva era um de seus atributos especiais, mas não por isso impossíveis. Se havia trenós com renas e bruxas em vassouras, por que não uma babá de guarda-chuva? Não era apenas perfeitamente plausível, mas até mesmo natural. O fantástico se naturalizava porque o encantamento era mais forte que o real. E eu ansiava por aquela espécie de magia, capaz de transformar as pessoas em seres melhores e mais felizes. A verdadeira mágica estava aí, e por isso eu realmente acreditava nela.
"Uma colher de açúcar ajuda o remédio a descer" era a principal lição nessa aprendizagem da alegria. A infância recuperada como o tempo e o espaço da diversão, da descoberta. Bastava um pouquinho de açúcar, e quem, por mais miserável que fosse, não teria um pouquinho de açúcar para dar?

Por muito tempo, esperei por Mary Poppins. Sonhava em entrar num desenho no chão de uma praça, brincar com bichinhos animados que cantavam e dançavam, apostar corrida em cavalo de carrossel. Praticava diligentemente, como um mantra ou uma oração, a pronúncia da palavra mais poderosa de todas: "supercalifragilisticexpialidocious" (que, então, eu dizia "supercalifragiliexpialicious"). Também queria visitar o Tio Albert, cuja "doença" era não conseguir parar de rir. E suspirava apaixonadamente pelo Bert (nossa relação era desde cedo ambígua, porque ao mesmo tempo em que o imaginava como um tio, queria me casar com ele).

Depois de esperar por Mary Poppins, passei a querer ser ela. Assim como algumas pessoas querem ser anjos. Era minha referência mais real de ascese espiritual e de busca possível por uma bondade fundamental (bondade no sentido em que dizemos que alguém é "bom", mas principalmente  na concepção de "bondoso" - o bem aliado à benevolência e ao contentamento, simples mas difícil de se alcançar). Ainda é.
Rever Mary Poppins foi uma viagem emocional à minha infância e àquela parte de mim que ainda acredita que uma colher de açúcar ajuda a descer qualquer remédio.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

silêncio

silêncio
palavra que cala

e anuncia
um mundo de nada

e tudo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O Pasquim

Pasquim: jornal crítico ou calunioso, geralmente impresso de forma simples; jornal de má qualidade, jornaleco; escrito satírico afixado em local público. Estas são as definições do Dicionário Aulete. Mas se você juntar Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo, Sérgio Cabral, Sérgio Augusto, Fortuna, Luiz Carlos Maciel, Ivan Lessa, Henfil, Tarso de Castro, Paulo Francis, entre outros (incluindo aqui os colaboradores eventuais, como Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Rubem Braga, Glauber Rocha, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Fonseca, Caetano Veloso...), vai saber o que realmente significa O Pasquim. Um grupo de jornalistas, escritores, cartunistas e humoristas se reúne no final dos anos 60, em pleno regime militar, para fazer um jornal de oposição. A principal arma: o humor.
O primeiro volume de O Pasquim - Antologia (ao todo, foram publicado três volumes, organizados por Sérgio Augusto e Jaguar) traz o que de melhor foi produzido durante os dois primeiros anos do jornal (e é tanta coisa boa que fica difícil escolher o que citar para dar ideia da insanidade criativa da famosa patota). Na introdução, Sérgio Augusto explica o que foi O Pasquim:

"Foi o maior fenômeno editorial da imprensa brasileira. E não adianta discutir. O Cruzeiro? Tinha atrás de si uma poderosa empresa jornalística, os Diários Associados de Assis Chateubriand. Veja? Ora, veja. Com a editora Abril bancando a aventura, modéstia à parte, até eu. Atrás de O Pasquim, só havia um punhado de porras-loucas.
Assumidamente nanico, moleque, paroquial e abusado, nasceu sob a suspeita de que duraria pouco tempo; menos até que os oito números da Pif-Paf, criada em 1964 por Millôr Fernandes e inviabilizada pela censura dos milicos que naquele ano haviam assumido o poder. Mas durou, afinal, 1072 números - o equivalente a 22 anos de vida.
As suspeitas iniciais tinham razão de ser. Onde já se viu um jornal sem patrão, onde todos os colaboradores podiam escrever o que bem entendessem e como bem entendessem? Pois a velha utopia de dez em cada dez jornalistas revelou-se, mais do que factível, um sucesso - fulminante e retumbante. A tal ponto que o cético Millôr, que no primeiro número previra menos de três meses de vida para o solerte hebdomadário, admitiu, já no quarto número, que se equivocara.
(...) Foi, sem dúvida, um risco; quase uma bravata. Entre setembro de 1968, quando a ideia do jornal não era mais que um brilho nos olhos de Jaguar e Tarso de Castro, e 26 de junho de 1969, quando o primeiro número chegou às bancas, os generais haviam 'legalizado' a ditadura com o AI-5 e a censura apertara as cravelhas nas redações menos dóceis ao novo regime. O Pasquim não pagou barato pela audácia de já nascer 'do contra' (sobretudo contra as babaquices da classe média) e 'livre como um táxi', 'equilibrado como um pingente', 'incômodo como um folião num velório'. E ainda que nos primeiros tempos fosse mais folgazão, gozador, festivo (a expressão 'esquerda festiva' foi inventada por um dos seus colaboradores, Carlos Leonam) e atento a questões de comportamento, aos poucos deixou-se contaminar pelo inevitável: a indignação política. Sem, contudo, abrir mão do velho preceito de Horácio (reciclado poe Jean de Santeuil): o riso é a melhor arma contra todas as imposturas."


Segue um documentário realizado pela TV Câmara sobre a história do jornal: