quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Paciência e humildade

"Tudo está em levar a termo e, depois, dar à luz. Deixar amadurecer inteiramente, no âmago de si, nas trevas do indizível e do inconsciente, do inacessível a seu próprio intelecto, cada impressão e cada germe de sentimento e aguardar com profunda humildade e paciência a hora do parto de uma nova claridade: só isto é viver artisticamente na compreensão e na criação."

Cartas a um jovem poeta, Rainer Maria Rilke

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Mais Clarice

Ontem citei Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Neste exato momento, é o meu livro favorito. Reli e agora parece fazer muito mais sentido. É a história de Lóri, uma professora primária, apaixonada por Ulisses, professor de filosofia, seu guia e mentor na "aprendizagem". Acostumada a viver através da dor, ela deve aprender a alegria e a ser para poder vivenciar verdadeiramente o amor e a grandiosidade de sua própria existência.
Mas qualquer simplificação ou tentativa de descrição vai diminuir o livro. O melhor é ler.

Aqui vai um trecho:

"Ulisses ouvira de testa franzida. E depois dissera:
- E então você não quis mais nada disso. E parou com a possibilidade de dor, o que nunca se faz impunemente. Apenas parou e nada encontrou além disso. Eu não digo que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta. Não esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito, Lóri. Estou em plena luta e muito mais perto do que se chama de pobre vitória humana do que você, mas é vitória. Eu já poderia ter você com o meu corpo e minha alma. Esperarei nem que sejam anos que você também tenha corpo-alma para amar. Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído cadetrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer 'pelo menos não fui tolo' e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. Mas eu escapei disso, Lóri, escapei com a ferocidade com que se escapa da peste, Lóri, e esperarei até você também estar mais pronta."

Para o Vinícius

Pequenos presentes... Porque ele me fez lembrar de algo tão bonito e disse as palavras perfeitas...

"Tenho que não indagar do mistério para não trair o milagre."

"Seu desespero vinha de que não sabia sequer por onde e pelo que começar. Só sabia que já começara uma coisa nova e nunca mais poderia voltar à sua dimensão antiga. E sabia também que devia começar modestamente, para não se desencorajar. E sabia que devia abandonar para sempre a estrada principal. E entrar pelo seu verdadeiro caminho que eram os atalhos estreitos."

"A tragédia de viver existe sim e nós sentimos. Mas isto não impede que tenhamos uma profunda aproximação da alegria com essa mesma vida."

"(...) de quase tudo o que importa não se sabe falar."

"Um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba versus a minha individualidade de pessoa mas seremos um só."

"Mas já existem demais os que estão cansados. Minha alegria é áspera e eficaz, e não se compraz em si mesma, é revolucionária. Todas as pessoas poderiam ter essa alegria mas estão ocupadas demais em ser cordeiros de deuses."

"Lembrou-se de como era antes destes momentos de agora. Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a grande liberdade de não ter modos nem formas."

Trechos do livro Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, da Clarice Lispector.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Do Amor

Quando o amor vos chamar, segui-o,
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos
Como o vento devasta o jardim.
Pois, da mesma forma que o amor vos coroa,
Assim ele vos crucifica.
E da mesma forma que contribui para vosso crescimento,
Trabalha para vossa poda.
E da mesma forma que alcança vossa altura
E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes
E as sacode no seu apego à terra.
Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor a vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma
No pão místico do banquete divino.
Todas essas coisas, o amor operará em vós
Para que conheçais os segredos de vossos corações
E, com esse conhecimento,
Vos convertais no pão místico do banquete divino.
Todavia, se no vosso temor,
Procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez
E abandonásseis a eira do amor,
Para entrar num mundo sem estações,
Onde rireis, mas não todos os vossos risos,
E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.
O amor nada dá senão de si próprio
E nada recebe senão de si próprio.
O amor não possui, nem se deixa possuir.
Porque o amor basta-se a si mesmo.
Quando um de vós ama, que não diga:“Deus está no meu coração”,
Mas que diga antes:"Eu estou no coração de Deus”.
E não imagineis que possais dirigir o curso do amor,
Pois o amor, se vos achar dignos,
Determinará ele próprio o vosso curso.
O amor não tem outro desejo
Senão o de atingir a sua plenitude.
Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,
Sejam estes os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho
Que canta sua melodia para a noite
De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor
E de sangrardes de boa vontade e com alegria
De acordardes na aurora com o coração alado
E agradecerdes por um novo dia de amor
De descansardes ao meio-dia
E meditardes sobre o êxtase do amor
De voltardes para casa à noite com gratidão
E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado
E nos lábios uma canção de bem-aventurança.

Khalil Gibran, O Profeta

Poemas místicos do Oriente. Música de Marcus Viana, voz de Letícia Sabatella:
http://www.youtube.com/watch?v=GDWLZ3nBlX4

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Achado

"If love is the answer, can you please repeat the question?"

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A próxima pergunta

Começo a aprender (e, muito lentamente, a vivenciar) aquela que, para mim, é a maior de todas as lições: o não ser, ou melhor, o Ser. Esta é uma lição e uma prática constante de desapego e despojamento para toda a vida (para muitas vidas, aliás...).
Quando se fala em desapego, geralmente se pensa na necessidade de se desapegar de pessoas, situações ou coisas externas a nós, mas acredito que o maior desafio é o desapego de nós mesmos - o despojar-se de toda e qualquer idéia que tenhamos do que nós somos, seja boa ou má, libertar-se daquilo que tanto prezamos e que chamamos "nossa personalidade". Esta é a maior ilusão de todas porque é ela quem cria todas as outras. Jogar o lixo fora, tirar todo o peso do passado e do futuro, esvaziar a xícara. Simplesmente Ser.
Mas qualquer palavra sobre isso não diz absolutamente nada, a não ser que seja de fato vivido...
Agora, a próxima pergunta, a grande questão é: será possível o amor entre dois Seres? Será possível o amor romântico (sim, o romance, o carinho, a paixão!) entre dois seres que se reconhecem como seres, em sua verdadeira natureza e essência, livres de todo apego e falsa idéia de "eu"? Suspeito que sim...
O amor romântico em si, como conceito e prática culturalmente construída e cristalizada, já é um grande apego. Até mesmo o grande ideal de amor não passa de um conceito e, portanto, está fora da esfera do Ser. Mas mesmo as maiores ilusões não são criadas por acaso (veja o mundo, por exemplo...).
Talvez esta seja a grande aprendizagem. Assim como nos foi dada a oportunidade de aprender a Ser dentro e apesar de todos os limites do ego, talvez a verdadeira experiência do amor seja a descoberta do Ser do outro, para além de toda tentativa de definição e de toda idéia que tenhamos, seja sobre o outro, seja sobre nós mesmos, seja sobre o próprio amor.
Simplesmete Ser e amar o Ser do outro que simplesmente É... isso, sim, deve ser iluminação!
De repente, tudo fica mais simples, mas, de alguma forma, agora a busca parece ser mais difícil. Ou não...

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Qual é mesmo a pergunta?

O Guia do Mochileiro das Galáxias, do Douglas Adams, é um clássico da mais alta filosofia de todos os tempos! Inteligente e engraçado, o livro satiriza várias situações, em especial os grandes questionamentos existenciais do homem. Na trama, buscando responder à grande questão da Vida, do Universo e de Tudo o Mais, seres superinteligentes criam um supercomputador (o "Pensador Profundo") para conseguir a resposta, gerando revolta entre os filósofos:

"- Essas máquinas têm mais é que fazer contas, enquanto nós cuidamos das verdades eternas. Quer saber a sua situação perante a lei? Pela lei, a Busca da Verdade Última é uma prerrogativa inalienável dos pensadores. Se uma porcaria de uma máquina resolve procurar e acha a porcaria da Verdade, como é que fica o nosso emprego? O que adianta a gente passar a noite discutindo se Deus existe ou não pra no dia seguinte essa máquina dizer qual é o número do telefone dele?"

Alguns milhões de anos depois, o computador finalmente dá a resposta, mas qual era mesmo a pergunta? "Quando vocês souberem qual é exatamente a pergunta, vocês saberão o que significa a resposta."
Pois é! Às vezes, a gente busca desesperadamente por respostas e nem sabe muito bem que perguntas está fazendo. Ou a resposta já foi dada e tudo o que a gente tem que fazer é procurar a pergunta adequada.

***

Blowin' In The Wind
(Bob Dylan)

How many roads must a man walk down
Before you call him a man?
How many seas must a white dove sail
Before she sleeps in the sand?
Yes and how many times must cannonballs fly
Before they're forever banned?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind

Yes and how many years can a mountain exist
Before it's washed to the seas
Yes and how many years can some people exist
Before they're allowed to be free?
Yes and how many times can a man turn his head
Pretend that he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind.

Yes and how many times must a man look up
Before he can see the sky?
Yes and how many ears must one man have
Before he can hear people cry?
Yes and how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Hoje é dia de sim!

"Medo tem medo da coragem da gente..." (Tereza Freire)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Certas coisas

Não existiria som
Se não houvesse o silêncio
Não haveria luz
Se não fosse a escuridão
A vida é mesmo assim
Dia e noite, não e sim...

(Lulu Santos)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Intermezzo filosófico

Esse blog parece estar perdendo suas raízes e anda muito pouco filosófico ultimamente. Se bem que, como propõem as diversas fenomenologias, a apreensão do nômeno só se dá através do fenômeno, isto é, tudo é uma questão de perspectiva! Além disso, às vezes é na ausência que a presença se manifesta... (estará voltando a filosofia? : ) )
Lembrando a Adélia Prado que uma vez disse "Às vezes Deus me tira a poesia. Olho a pedra e vejo pedra mesmo", poderia dizer "Às vezes Deus me tira a filosofia. Olho a vida e vejo vida mesmo".
Nesse caso, ao contrário do lamento da Adélia, o ganho é todo meu!
No fundo, no fundo, vida, filosofia e poesia devem ser a mesma coisa...