segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Filosofia animada

"One often meets his destiny on the road he takes to avoid it."

("Em geral, encontramos nosso destino no caminho que tomamos para evitá-lo.")

(Mestre Oogway, Kung Fu Panda)

Essa é a melhor síntese do Édipo que já encontrei! Quem não leu a tragédia de Sófocles e acha que se trata apenas da história de um filho casado com a própria mãe, foi enganado por Freud, que se apropriou de parte do mito para tentar explicar um aspecto do comportamento humano. Na verdade, Édipo Rei é uma história sobre a inevitabilidade do destino. Exatamente como a sábia fala do Mestre Oogway...

domingo, 28 de setembro de 2008

Só de farra

Só de farra
vou jogar as idéias velhas fora
e não pôr nada no lugar.
Só de farra
vou dizer as palavras guardadas
e repetir as que nunca foram ditas.
Só de farra
vou ser o avesso de mim
para ser tudo o que sou.
Só de farra
vou prever o passado, lembrar o amanhã
e desvendar a inexistência do tempo.
Só de farra
vou deixar a farra de lado
e recuperar a insensatez de todo dia.
Só para cair na farra outra vez.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

visita incerta

não vou pular o muro
de concreto do teu ser
nem invadir tua casa, coração
espero você abrir a porta
e me chamar para entrar
talvez eu entre
talvez nem fique
talvez tome um café e vá embora
ou jogue conversa fora
como amigos em um bar
talvez eu me canse
e descanse em tua rede
só esperando o tempo passar
talvez me sinta em casa
tire os sapatos, os medos, as máscaras
talvez você goste da visita
e me peça para ficar.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

"A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos levam consigam, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo rãs, esquilos ou formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser. Todos temos origens comuns: as mães; todos proviemos do mesmo abismo, mas cada um - resultado de uma tentativa ou de um impulso inicial - tende a seu próprio fim. Assim é que podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um interpretar-se."

(Demian, Herman Hesse)

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Inspiração

Tarefa para a disciplina Ética e Legislação Jornalística: treinar o olhar. Escolher um elemento absolutamente banal (algo comum, não no sentido de banalizado), daqueles que estão presentes no cotidiano mas que a gente nunca repara, e observá-lo. Pode ser uma pessoa, um aspecto do ambiente, qualquer coisa. Depois de muita observação, escrever.
Para inspirar, ler textos da jornalista Eliane Brum, autora de A vida que ninguém vê, livro de reportagens que fez para o Zero Hora, sobre personagens anônimas, pequenas histórias da vida real. Mais que inspirada, fiquei apaixonada. Encantada.
Hoje a jornalista escreve para a revista Época. Procurando textos seus na Internet, encontrei este em que ela relata um retiro de meditação de dez dias que fez. "O inimigo sou eu" é o título da matéria. Seja pelo assunto, seja pelo modo de narrar, o texto é primoroso e inspirador. Uma lição de jornalismo e de vida.
Alguns trechos:

"Manter a mente no exato momento presente é um desafio: em geral, estamos no passado (nostálgicos ou lamentosos) ou no futuro (antecipando catástrofes ou adiando possibilidades). Aqui, agora, pouco estamos."

"Descobri que um universo complexo me habitava, com manifestações novas e desconhecidas. Foi como passar a vida olhando o oceano da praia e, de repente, mergulhar."

"A verdadeira felicidade, segundo a vipássana, é a paz interior conquistada pela consciência de que não podemos controlar nem o mundo nem os outros, mas podemos controlar como vamos lidar com o mundo e com os outros."

"Disse um palavrão em perfeito silêncio. E chorei pela primeira vez. Percebi como eu havia sido prepotente ao imaginar que havia atingido uma espécie de iluminação e por me achar tão importante por causa disso. É difícil explicar, mas chorei por ter me percebido demasiado humana."

"Nessa guerra no território do corpo, o inimigo era eu. Parar de sofrer dependia apenas de mim. E eu tinha acabado de descobrir que, ao contrário do que eu acreditara até então, eu não era resistente à dor. Sempre fui orgulhosa demais para admitir que sentia dor, porque sempre confundi fragilidade com fracasso. Chorei de novo. Dessa vez, porque percebi que essa era a luta mais difícil."

"Era difícil tornar qualquer coisa permanente depois de compreender – de forma tão radical – a impermanência da realidade. Eu, que me tornei jornalista na ânsia de capturar o real, me encontrei nesse impasse. Escrever era tornar permanente o momento, o acontecimento fugaz, era impedir que algo fosse embora. Parecia impossível voltar a fazer isso."

"Neste momento, sinto minha vida mais larga. Cada dia é longo. Tenho dificuldade de me concentrar no que aconteceu ontem, e a próxima semana está longe. Percebo imediatamente quando estou vivendo algo especial, coisas muito simples que antes não perceberia. E descarto os acontecimentos desagradáveis no minuto seguinte. Quando sinto medo ou ansiedade, sei que vai passar. Só essa certeza já reduz os monstros à metade do seu tamanho."

"Este é apenas o relato de uma viagem para um lugar bem exótico – meu corpo. Você poderia estar lendo sobre uma circunavegação da Antártica ou a escalada da parede sul do Aconcágua. Mas esta é uma expedição de dez dias, mais de cem horas de olhos fechados, sem sair do lugar e sempre para dentro. Ao avesso de qualquer outra aventura, quanto mais longe, mais perto estava de mim. Neste mundo em que todas as geografias já foram devassadas – e a maioria delas devastada – talvez este seja um desafio mais real."

Aqui vai o link para a matéria completa:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80874-8055-503-1,00-O+INIMIGO+SOU+EU.html
A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

(Alberto Caeiro)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A vitória da crônica falida

Pode uma pessoa que não entende nada de futebol escrever uma crônica esportiva? Reconheço minha ignorância futebolística, e, mesmo assim, vou arriscar. A motivação foi o jogo de ontem.
Meu desconhecimento quase total e absoluto é um fato. Ano passado, fui à Vila Belmiro ver São Paulo e Santos com dois amigos santistas (torcendo contra o Santos, claro). Levei os dois à loucura por mais de um motivo. "O que foi aquilo? Chapéu, caneta, chaleira?", "Quem é mesmo o número seis?". Mas me diverti. E muito (principalmente porque o São Paulo ganhou de 1 a 0...).
Não sei nada de futebol. Mas amo. Amo daquela maneira que não se sabe explicar. Até tento. Principalmente para pessoas estarrecidas com esta minha paixão. Mas não adianta falar de amor para aqueles que não amam. Parece que há um entendimento mútuo e secreto, compartilhado apenas entre os amantes...
Amo ver jogo em estádio. É, sem dúvida, uma das melhores coisas da vida.Ver a Seleção Brasileira jogar contra o Uruguai, ano passado, no Morumbi, foi inesquecível. Ver o Palmeiras ser campeão paulista, este ano, no Palestra Itália, foi de uma emoção sem tamanho. Mas jogo sem tanta importância também é muito bom. Vale até jogo na Vila!
Ah, e para quem não sabe, sou palmeirense. Graças ao meu irmão. Comigo, é torcer pelo Palmeiras. Ou contra o Santos. Sempre.
Amo fazer parte da torcida. E gritar. E cantar com o repique da bateria. Abraçar desconhecidos na hora do gol. Xingar também. E chorar, às vezes. Já fiz trabalho de Antropologia sobre torcidas para tentar entender esse tipo de insanidade. Em vão. Um jogo de 90 minutos, acompanhado junto com milhares de pessoas, transcende qualquer tentativa de explicação.
Jogo pela televisão é diferente. Perde muito da emoção. Ainda assim, dá pra dar uns gritos e pulos incontroláveis do sofá.
Pois bem. O jogo de ontem: Palmeiras e Cruzeiro. A briga valia a vice-liderança do Campeonato Brasileiro. Eu, que estava meio borocochô, me animei em dois minutos. Que jogo! Não vou dizer que Fulano e Sicrano estiveram muito bem em campo, que a estratégia tática do time funcionou ou que a zaga finalmente resolveu trabalhar direito. Isso tudo fica para a crônica jornalística especializada. Além do mais, não entenderia patavina do que estaria dizendo. Apenas vou conseguir dizer que vibrei muito com um jogo quente e disputadíssimo, como há algum tempo não via. Teve grito, teve torcida, teve pulo do sofá. O gol do Diego Souza ao final do primeiro tempo aliviou um pouco a tensão. Mas o segundo tempo... Barbaridade! O que foi aquilo? Com dez em campo, o Palmeiras mostrou como sapatear levando tiro no pé e tendo que segurar as calças! Uns dizem que sem dificuldade, a vitória não tem mérito... Bom, também não vou dizer, como naqueles comentários imbecis de fim de jogo, que o time mereceu ganhar. Mereceu, não mereceu - que importa? Jogo é mérito, mas também é sorte (o goleiro Marcos que o diga, com todas aquelas bolas zunindo pelas traves de seu gol...). O que importa é o jogo bem jogado, a emoção, o inesperado. Teve tudo isso e o time ganhou? Valeu a pena. Perdeu? Também valeu! Mas é claro que meu coração alvi-verde, feliz e aliviado, contentou-se ainda mais com a conquista do campeonato mais próxima, possível...
Será isso uma crônica esportiva? Desconfio que não. Pouco rigorosa, desconexa, pessoal demais. Talvez, então, a resposta à pergunta inicial seja negativa, mas assim como vou ao estádio para me divertir e não para entender de futebol, escrever esse texto foi pura diversão.E isso me basta. Duas vitórias no dia de ontem...

domingo, 14 de setembro de 2008

Mais amor




Quando a gente ama
(Oswaldo Montenegro)
Quem vai dizer ao coração
Que a paixão não é loucura
Mesmo que pareça insano acreditar
Me apaixonei por um olhar
Por um gesto de ternura
Mesmo sem palavra alguma pra falar
Meu amor, a vida passa num instante
E um instante é muito pouco pra sonhar
Quando a gente ama simplesmente ama
É impossível explicar
Quando a gente ama simplesmente ama

sábado, 13 de setembro de 2008

Palavras de Amor

Meu amigo está amando!
Estava ele ao meu lado, lendo as bobagens que aqui escrevo, e me soltou essa revelação à queima-roupa. Eu, me divertindo observando ele se divertir com o que eu escrevo, até ver ele se interessar pelo texto do Dia dos Namorados. "Ah, um texto do dia dos namorados". Acho que fiz cara de surpresa. "Eu tô amando". "Você tá amando"?, talvez tenha falado alto demais nesse meu jeito contido e nada expressivo... "Shiuuuu". Rimos. Então compreendi que ele buscava palavras de amor.
A revelação acompanhada de um sorriso de orelha a orelha me deixou feliz e surpresa. Vi ali uma espontaneidade do gostar que já não reconhecia em mim. Como assim? Além de gostar de peito aberto, ele declarava aquilo daquele jeito! Ingenuidade? Não, é que ele tem a coragem de ser inteiro. Sem precauções. Sem as redes de segurança que criamos para proteger nossos medos. Percebi, então, que talvez o amor só exija mesmo essa espontaneidade, essa coragem, essa sinceridade. Se ele vai ser feliz ou se ele vai sofrer, é bobagem querer saber. O que importa é que ele vai amar. Ama. Simples assim.
Mais palavras de amor para meu amigo:

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto
[na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol
[com a cara dela no meio.

(Alberto Caeiro, O Pastor Amoroso)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Explicação

Um amigo assustado me disse que eu não era mais a mesma, não era mais a romântica que acreditava no amor e chorava vendo O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.
Acho que ele não entendeu...
Não abandonei o romantismo, apenas as ilusões.
Na "acidez" do meu texto, esqueci de dizer que não foi tudo invenção. Também tive um grande amor. Um amor que me fez sentir a verdade dos poemas de Neruda e estabeleceu um padrão bem elevado para futuros amores.
Ainda sou uma romântica incurável. Ainda espero encontrar a tampa da minha panela, só não vou forçar tampas que não encaixam.
Ainda sonho com poemas como esse - mas que seja de verdade:

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o estreitado aroma que subiu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem de onde,
te amo diretamente, sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

a não ser deste modo em que não sou nem és
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha,
tão perto que se fecham teus olhos com meu sono.

(Pablo Neruda, de Cien sonetos de amor)

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Sem faz-de-conta

Já inventei muitos amores. E sofri desilusões imaginárias. No jogo do gostar, respondia indiferente “eu também” ao “estou com saudade” alheio. Estava? Não estava. Mas a retórica do jogo exigia cumplicidade. E eu dava. A presença da voz ao telefone ao alcance da mão e a conversa miúda tinham ares de amor. Engano. O vazio-tédio das relações sem-sentido era maior que qualquer sentido falso que eu pudesse lhe dar. O fogo inventado ardia, mas era só exasperação. A invenção finalmente ruía e eu chorava uma dor real.
Liberta de mim mesma, aprendi.
Hoje não invento nada. Olho o sapo e vejo sapo mesmo. Também não me vejo como princesa. E não peço por contos de fada que não podem me dar. Contos de fada que eu nem mesmo queria. Não quero. Não quero invenção alguma. Não quero interpretar palavras que possam falar de amor. Quero a sinceridade do sentir, mesmo que seja sentir nada. Que me falem a palavra exata e me dêem o gesto sincero, pois vou aceitar palavra e gesto e nada mais.
Hoje tenho a paciência de um ancião e a alegria de uma criança que acabou de descobrir que brincar sem faz-de-conta é mais divertido. Quero a intensidade do instante e a calma queimando em fogo lento. Até que o real aconteça.

domingo, 7 de setembro de 2008

manhã

nasce o dia,
renasço eu.
o que de mim fica
da noite,
da vida?
queria que todo dia
fosse dia de manhã
nascer da manhã
amanhecer de mim.

sábado, 6 de setembro de 2008

Raízes
(Renato Teixeira)

Amanhecer
é uma lição do universo
Que nos ensina
Que é preciso renascer
O novo amanhece
O novo amanhece