sexta-feira, 16 de setembro de 2011

(Da revista The New Yorker)

sábado, 3 de setembro de 2011

Conversa com Marcelino Freire

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
(Carlos Drummond de Andrade)


A sua vó Maroca já uma lembrança particular minha. A manga de João Cabral, o cocô do camelo do Egito.
Caos é vago demais, é vasto demais, vazio. Onde dói o caos em mim? Dor que não é psicanálise, você diz. Dor que é entrega de afirmação, encontro consigo mesmo. E o mergulho, quem dá?
Pego o caos, o medo, a vanidade e troco tudo pela fotografia do café nas paredes, o trem vermelho estrondeando lá fora, a sua fala pausada e o acento delicioso de cada sílaba: co-cô-di-ca-me-lu.
Tenho que eleger e trazer para a minha poesia aquilo que é só meu, você diz. Agora isso tudo também é meu, é minha particular lembrança. E o que é só meu só se torna dos outros na medida em que é meu demais.
Abandonar os sentidos, escrever com as palavras. Carne e osso das palavras, feitas de carne e osso. Ninguém vai ao abismo cheio de apetrecho. E escrever é mergulhar no abismo, você diz.
Quer falar sobre a brisa? Eu quero saber se essa brisa te pertence, você desafia.
Falar de amor? Só se for pra dizer onde o amor ama em mim.
Não venha me enganar com entranhas. Não fique escrevendo como quem entende a dor do mundo. Você sente a dor do mundo onde?, você esbraveja.
É teu?, você pergunta. Não é psicanálise, é mergulho na palavra que temos, você diz. Que palavra me pertence? Temos que encontrar nossa própria palavra e não falta palavra, você diz. Que palavra me pertence? Deixar o de repente de lado, afinal tudo é de repente. Inaugurar um olhar sobre as coisas e eternizar esse olhar numa palavra que me pertence. Que palavra me pertence?
Todas estas palavras são tuas. A procura das minhas só agora começou.