segunda-feira, 30 de junho de 2008

Mais Grande Sertão

"Confiança - o senhor sabe - não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa."

"Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar - é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo."

"Deus existe mesmo quando não há."

"O inferno é um sem-fim que nem não se pode ver. Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo vendo."

"Despedir dá febre."

"Viver é um descuido prosseguido."

"Tem horas em que senso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto. As pessoas, as coisas, não são de verdade!"

"Muita coisa importante falta nome."

"Razão por que fiz? Sei ou não sei. De ás, eu pensava claro, acho que de bês não pensei não."

"Os olhos nossos donos de nós dois."

"Comigo, as coisas não têm hoje e ant'ontem amanhã: é sempre."

"E, o que mais foi, foi um sorriso. Isso chegasse? Às vezes chega, às vezes. Artes que morte e amor têm paragens demarcadas."

"Mas a natureza da gente é muito segundas-e-sábados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor."

"Acho que o espírito da gente é cavalo que escolhe estrada: quando ruma para tristeza e morte, vai não vendo o que é bonito e bom."

"Do ódio, sendo. Acho que, às vezes, é até com ajuda do ódio que se tem a uma pessoa que o amor tido a outra aumenta mais forte. Coração cresce de todo lado. Coração vige feito riacho colominhando por entre serras e varjas, matas e campinas. Coração mistura amores."

"Se amor? Era latifúndio."

"Medo, não, mas perdi a vontade de ter coragem."

"A vida é ingrata no macio de si, mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado..."

"Hoje, eu penso, o senhor sabe: aquilo que o sentir da gente volteia, mas em certos modos, rodando em si mas por regras. O prazer muito vira medo, o medo vai vira ódio, o ódio vira esses desesperos? - desespero é bom que vire a maior tristeza, constante então para o um amor - quanta saudade... - ; aí, outra esperança já vem... Mas, a brasinha de tudo, é só o mesmo carvão só."

"A vida não dá demora em nada."

"Fui aprendendo a achar graça no dessossego. Aprendi a medir a noite em meus dedos. Achei que em qualquer hora eu podia ter coragem."

"Quando a gente dorme, vira de tudo: vira pedras, vira flor."

"Para ódio e amor que dói, amanhã não é consolo."

"Mas liberdade - aposto - ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões."

"Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanço na loucura."

"Todo caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais - a gente levanta, a gente sobe, a gente volta!"

domingo, 29 de junho de 2008

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim, de repente, na horinha em que se quer, de propósito - por coragem."

Grande Sertão: Veredas

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Lições - Uma história de amor... com final feliz

O final feliz da história é que o amor morre no final! Esta é a conclusão da palestra que o Flávio Gikovate deu, ontem, no auditório da CPFL, para a gravação do programa Café Filosófico.
Pegue tudo o que pensa saber sobre o amor e jogue fora. Bom, quase tudo. Uma lição aqui, uma nota ali, a gente vai aprendendo. Mas será possível aprender o amor?
Vamos aos fatos...
"O amor é o sentimento diante da presença de uma pessoa que causa paz e aconchego."
Tudo começa antes de existir... No útero da mãe, tudo é pleno e perfeito e nós vivemos o mais puro estado de harmonia original. Então, a primeira grande tragédia da existência: o nascimento. A entrada no mundo rompe com toda aquela perfeição a que estávamos acostumados e toda a vida será, a partir daí, uma busca incessante por aquele sentimento de harmonia e completude. Lembrando a imagem da vida no paraíso e a expulsão dele descrita pelo Gênesis, a existência, uma vez iniciada, encarna a absoluta impossibilidade de voltar para trás. Irreversível. Ânsia de absoluto.
Diante deste sentimento de incompletude, o amor parece figurar um bom substituto. Assim, transferimos para a busca amorosa o mesmo significado e expectativas daquela necessidade inicial. Poderia até funcionar bem, se não fosse outra necessidade tão forte quanto aquela: a garantia de nossa individualidade. O perder-se no outro significaria a abolição do próprio ser? Talvez. Sendo melhor não arriscar (afinal, a individualidade é algo que levamos a vida a construir), o negócio é não se doar por inteiro.
Além da individualidade, outro empecilho atrapalha o amor: o medo da felicidade. A lembrança daquela primeira grande separação traumática, em que se passou de um estado feliz ao caos, criou uma espécie de reflexo condicionado, que faz com que esperemos pela tristeza mesmo quando somos felizes. A felicidade traz consigo a sensação de iminência da tragédia.
Mais uma vez, para amar é preciso ter coragem. Mas, além disso, é preciso se desfazer um pouco da idéia de amor como fusão total de dois seres, que, ao menos nessa dimensão da existência, não são completamente fundíveis. O negócio é aprender a lidar com o vazio inicial, que, afinal de contas e não importa com quem estivermos vai nos acompanhar por toda a vida, e reconhecê-lo como parte de nós enquanto indivíduos, sem a necessidade desesperada de um tapa-buraco que lhe dê jeito.
É esse o amor que tem que morrer para que o amor possa ser.
Muito mais coisas foram ditas e a graça dos modos de dizer do Gikovate e da identificação com situações descritas também se perdem aqui. Uma palestra sobre o amor com um psicoterapeuta teve suas surpresas e suas iluminações.
De novo, eu pergunto: é possível aprender o amor? Não sei, mas podemos tentar.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

"Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois."

Grande Sertão: Veredas

terça-feira, 24 de junho de 2008

Tudo é Grande Sertão

Finalmente comecei a ler Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa! Já no início dá pra sentir porque esse é o livro favorito de tanta gente e porque é considerado um dos principais romances da literatura brasileira e mundial.
Também dá pra entender esses versos da Adélia Prado:

Porque tudo que invento já foi dito
nos dois livros que eu li:
as escrituras de Deus,
as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão.

Algumas passagens do livro (pelo jeito, os próximos posts serão só citações...):

"Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães..."

"De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp'ro, não fantaseia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei nesse gosto de especular idéia."

"Viver é muito perigoso... Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo, se querendo o mal, por principiar."

"Amor vem de amor."

"O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de idéia e saudade de coração..."

"Mas sucedia uma duvidação, ranço de desgosto: eu versava aquilo em redondos e quadrados. Só que meu coração podia mais. O corpo não traslada, mas muito sabe, adivinha se não entende. Perto de muita água, tudo é feliz."

"Ah, eu estou vivido, repassado. Eu me lembro das coisas, antes delas acontecerem..."

"Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?"

"Mas ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente - o escuro, escuros."

"Moço: saudade é uma espécie de velhice."

"Coração - isto é, esses pormenores todos. Foi um esclaro. O amor, já de si, é algum arrependimento."

"A lembrança dela me fantasiou, fraseou - só face dum momento - feito grandeza cantável, feito entre madrugar e manhecer."
*
Ô delícia! Depois tem mais!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

é como eu acabei de ouvir de um funk vizinho (!),
"a vida é louca, mas eu tô de passagem"...

domingo, 22 de junho de 2008

manhã de domingo

minha mãe se divertindo na cozinha
com pastéis de forno e música de gil
é dessas coisas de que já sinto falta
no presente de amanhã.

sábado, 21 de junho de 2008

Empiria

A gente anda na chuva pra aprender
que molhar não dói.

Pequena crônica de uma partida de futebol

O campo era a cozinha da avó da Rafa. Os times, embora recentemente definidos, já tinham muita personalidade. De um lado, o santista Gustavo, 7 anos, o jogador profissional, entende tudo de bola e sabe tudo de futebol. Tem aquele tipo de risada que faz a gente querer rir só de ouvir. Do outro, Lucas, 6 anos, o futuro já responsável tio. Amante das artes marciais e lutas em geral, quer ser lutador de boxe. Ou pedreiro, quem sabe. Jogador de futebol? Não, ele joga capoeira. Não sabe pedalar, mas ginga como ninguém.
Primeira rodada, o jogo estava equilibrado. O Gustavo cismava em torcer para o Lucas... "Não, foi gol, eu não defendi". O Lucas parecia começar a gostar desse negócio de chutar bola...
O jogo foi ficando interessante, e a criança beirando a casa dos 30 resolveu participar. Por motivos geográficos, entrou no time do Gustavo que acabou ganhando. Como todo herói uma hora também chora, a derrota levou o Lucas às lágrimas. "Mas você tá no time dele". "Pois agora eu tô no seu. Vamos lá que a gente vai ganhar!"
O jogo esquentou. As gargalhadas e os gritos de gol eram incontroláveis. E o time de amadores vencia o profissional. 10 x 8... 12 x 10... 14 x 12... 14 x 13... 14 x 14. Ops! A vitória estava por um fio. Ganhava quem alcançasse o 15º gol primeiro. "Lucas, vamos combinar uma coisa? Mesmo se a gente perder, a gente comemora. Combinado?", "Combinado!". E eis que o provável, possível, e até certo ponto esperado, aconteceu: o Gustavo marcou, ganhou e encerrou a partida. Muita comemoração do outro lado. "Não vale! Quem ganhou fui eu!"
Na verdade, quem ganhou foi a criança beirando os 30. Dois garotos, uma cozinha e uma bola de futebol podem fazer a gente ganhar o dia e lembrar o que realmente é importante na vida.
A partida durou pouco tempo, mas foi o suficiente para durar para sempre...

p.s.: a avó da Rafa, o Henrique, o café do pai da Rafa, o bolo de chocolate da Rafa e a Rafa também fizeram minha alegria, mas são assunto pra outra crônica.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Ideal de carne e osso

Quando a realidade encontra um ideal, o resultado pode ser a frustração ou a alegria de uma realização.
Encontrar o jornalista e escritor Zuenir Ventura na última terça-feira foi encarar um sonho encarnado. Ele veio a Santos pelo projeto Conversatório, parceria do Sesc e da livraria Realejo, para lançar seu novo livro "1968 - O que fizemos de nós". O livro faz um balanço do que permaneceu como herança daquele ano que transformou a sociedade brasileira, tanto em termos políticos quanto comportamentais. Era o ano dos movimentos estudantis, da Passeata dos Cem Mil, do AI-5 - assuntos já tratados em "1968 - O ano que não terminou", publicado há vinte anos.
Melhor que ler este livro - um dos meus favoritos - foi ouvir o próprio autor falar da desilusão de uma geração que lutava por ideais e queria transformar o mundo e, mesmo assim, manter uma postura otimista e ainda usar a palavra "esperança", tão gasta e fora de moda ultimamente...
Também foi delicioso ouvir outras histórias, como a de sua morte temporária noticiada pela Internet. A antiga proprietária de seu telefone, cansada de receber ligações à sua procura, resolveu declará-lo morto. E o repórter, ingenuamente, publicou a notícia. Muito rebuliço na imprensa e três horas depois, Zuenir ressuscitou, deixando essa história divertida, mais divertida ainda contada por ele em pessoa, vivinho da silva.
Escritor brilhante, jornalista daqueles que nos fazem continuar acreditando na profissão, Zuenir Ventura é um grande contador de histórias. Em pessoa, um homem cativante e inspirador. Tangível, de carne e osso.
Sim, o ideal permanece vivo.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Dia dos Namorados

Sei que esse é mais um dia comercial no calendário capitalista do ano. Mas se é para celebrar o amor, why not? Se a gente esquecer as "promoções", os inúmeros anúncios e o que já se tornou o dever de comprar alguma coisa para o ser amado, este pode ser um dia realmente significativo. O presente deveria ser apenas um símbolo para lembrar a outra pessoa como ela é importante para nós, não uma obrigação que lota shoppings com namorados indiferentes à procura do "produto perfeito". Se a idéia é expressar o amor, não precisa ser com a blusa cara ou o último modelo de celular. Cada dia, os presentes se tornam mais impessoais, e o amor, onde fica? Presentes significativos podem ser os mais simples. Ainda lembro quando a gente fazia na escola presentes para os dias das mães com palitos de sorvete e elas realmente se emocionavam com aquilo. Não estou propondo novas versões de porta-jóias com palitos, mas criatividade e carinho sincero podem ser encontrados em diferentes formas e de diferentes maneiras. Gravar um cd com as músicas favoritas, copiar à mão um poema lindo de morrer, fazer um buquê com flores de jardim... Acho que ainda sou do tempo em que ser romântico era ser espontâneo e verdadeiro.
Bom, mas se as pessoas realmente se amam (e é isso o que no fundo importa), vamos deixá-las felizes com suas compras e despesas no cartão de crédito. É o romantismo à moda capitalista.
E se é para falar de amor sincero, lembrei de um texto maravilhoso do Artur da Távola. O senador, falecido este ano, apresentava o programa "Quem tem medo da música clássica?", na TV Senado. Era sua a frase "Música é vida interior e quem tem vida interior, jamais padecerá de solidão". O texto "Ter ou não ter namorado" parece sintetizar uma coisa simples e, no entanto, tão difícil de se concretizar quando se fala em amor: a coragem verdadeira de amar. Não o amor banho-maria, o pão amanhecido, o café requentado do dia anterior. Mas o amor que nos faz sentir realmente vivos e eternos.
Para os apaixonados (com namorado ou não), aqui está o texto:

Ter ou não Ter Namorado(Artur da Távola)

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor: É quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho. Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria. Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. É fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar. Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário. Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro. Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele. Não tem namorado que confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado é porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de queimar-se em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio. Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.
"Enlou-cresça"

quarta-feira, 11 de junho de 2008

"Tô estudando para saber ignorar."
(Tom Zé)

terça-feira, 10 de junho de 2008

Os casos da vara

“O caso da vara” é um conto de Machado de Assis que narra a fuga do seminário de Damião e seu pedido de auxílio à Sinhá Rita, amiga de seu padrinho. Todo o episódio se passa em um dia na sala de Sinhá, que se dedica a ensinar renda e bordado a criadas negras. Assegurada a intercessão da mulher junto ao padrinho, dá-se um momento de descontração e Damião põe-se a contar anedotas que fazem rir à pequena Lucrécia, criando simpatia e promessa íntima de apadrinhamento por parte do moço. Ao final do dia, não tendo terminado seu trabalho, a menina é duramente castigada por Sinhá, que pede a Damião que lhe passe a vara. Dividido entre a promessa e o dever da gratidão, Damião entrega a vara.
O filme “Quanto vale ou é por quilo?”, do diretor Sérgio Bianchi, é inspirado em “Pai contra mãe”, outro conto de Machado de Assis, mas bem poderia ter como mote “O caso da vara”. Mostrando as complexas relações que envolvem o assistencialismo no Brasil, o filme é uma história sobre imagem e cooptação – imagens que se criam e devem ser mantidas ao custo de ações cooptadas em uma intricada rede de relacionamentos. É o famoso “toma lá, dá cá” ou “uma mão lava a outra”. No constante jogo de interesses, alguém sempre acaba entregando a vara. Afinal, quanto vale uma “boa” ação?
O tema da responsabilidade social como embuste para geração de lucro é central. Empresas e organizações não-governamentais usam o disfarce do assistencialismo para ganhar dinheiro. Campanhas de auxílio a crianças carentes, doação de roupas e alimentos a moradores de rua, projetos implantados em comunidades desfavorecidas – todas elas ações que entram na pauta do politicamente correto e socialmente aplaudido, escondendo, porém, falcatruas e interesses bem menos nobres: superfaturamento por meio de doações, dedução de imposto de renda, lavagem de dinheiro, corrupção. Nesta grande encenação, o que vale é a imagem. O jogo das representações é sustentado por bem elaboradas campanhas de marketing que divulgam as boas ações e intenções das empresas e tentam convencer com imagens como a foto da madame socialmente engajada segurando a mão de crianças pobres. E sorrindo. Sempre. O sorriso – vale dizer, a imagem – é quem (res)guarda o simulacro da responsabilidade, generosidade e comprometimento social. No processo de legitimação da imagem, estes valores são apenas elementos que compõem o discurso do bem agir, tomado de empréstimo em lugar da ação propriamente dita. Mostrar que se faz é mais importante que fazer e, neste sentido, os meios de comunicação são usados e se deixam usar como veículos de cooptação, em que a aparência de realidade acaba tornando-se real e sendo aceita como tal. Dançando conforme a música do sistema, a informação desobriga-se de seu compromisso com a verdade. Mais uma vez, as varas são entregues.
Outro tema fortemente presente no filme é a questão do negro – objeto e alvo principal das ações assistencialistas – e os resquícios de escravidão em uma sociedade que se diz livre. Crônicas retiradas dos autos do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro são atualizadas. Relações escravocratas – reflexos de relações econômicas e sociais complexas – são reencarnadas em situações contemporâneas, mostrando que a máscara da liberdade é mais uma das imagens vendidas pela retórica da democracia. O recurso narrativo empregado é a transposição, do século XIX para a atualidade, das mesmas situações históricas, fazendo uso dos mesmos atores. O resultado é eficaz. E constrangedor. Casos como o do capitão-do-mato capturando a escrava fugida que acaba por abortar o filho, transforma-se na história de Candinho, recém-casado, à espera de um filho e desempregado, que se torna matador de aluguel para ganhar dinheiro. O capitão-do-mato moderno termina matando a única pessoa disposta a denunciar os desmandos das empresas “socialmente responsáveis” e tentar mudar alguma coisa, rompendo com o sistema de cooptação. Esta é a história de “Pai contra mãe”, e, nesta luta, a mãe que se recusa a entregar a vara não sai vitoriosa.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

"O presente é a única coisa que não tem fim."
(Erwin Schrödinger)