terça-feira, 27 de novembro de 2012

Billy Eckstine por Ivan Lessa

 "Gente é mito. Mito é você, meu bem, 10 minutos depois que eu fui embora. Mito sou eu, no meu táxi, enquanto você dá a corda no despertador. Mito é sempre ontem, mito é sempre longe. Parte do mito que deixamos com os outros e que os outros deixam com a gente está na voz. Alguém na janela dizendo que é hora de almoço, a voz do amigo repetindo que é tarde demais, o pai falando 'durma... durma, meu filho...' e as pessoas nos quadros. E as pessoas nos livros. E nos jornais. E nos cinemas. E na televisão. E nos discos. Todas, todas querendo dizer alguma coisa. Que é assim mesmo. Ou que não deveria ser assim. É sim e é não e é talvez. Isto o que fica. Este o jeito pequeno, muito pequeno, com que damos e recebemos coisas. A vida vai indo e o coro é cada vez maior. Há que apurar os ouvidos e catar as vozes que nos interessam. Para melhor ou para pior, estamos a elas afinados.
Quando a telefonista do The White House Hotel, em Albany Street, Regent's Park, me deu o quarto 340 e alguém do outro lado da linha atendeu, expliquei que estava tentando localizar o sr. Eckstine. A voz me disse:
- Speaking.
23 anos depois de, na Calle Corrientes, em Buenos Aires, numa cabina de casa de discos eu ter escutado pela primeira vez (Just An Old Love Of Mine) a voz de Billy Eckstine, o mito de minha vitrola parou de cantar e começou a falar:
- Speaking.
E esperou para ouvir o que eu tinha a dizer. Não era muito. Expliquei que, na verdade, tentava localizá-lo há 23 anos. Riu. Vim com a conversa de que era um Brazilian journalist coisa e tal.

(...) Em 1949, Sinatra sussurrava que 'os tolos seguem caminhos temidos pelos anjos' (Fools Rush In). Eckstine, passando por cima do clichê, afirmava que a viagem era tudo, a paisagem o ponto principal. Sua voz era aqui e agora. Seu conceito de canção, um enorme 'sim'.

(...) Eckstine está com 50 e muitos. A voz adquiriu uma textura ainda mais profunda de couro marrom-escuro. Nela pode-se distinguir um trombone de vara, a seção de metais da orquestra de Duke Ellington, um piano de Nova Orleans, cabarés infames de Chicago, o polimento de Detroit, a poluição de Pittsburgh, a glória que foi o Carnegie Hall. E se você prestar muita atenção: tanto bate-papo entre disc-jockeys e representantes das fábricas de discos, agentes com charuto na boca discutindo preços, músicos ganhando 25 dólares para ficar a noite inteira acompanhando um boboca de violão em punho e, felizmente, Jelly, Jelly."

(Ivan Lessa, "Entrevista Billy Eckstine" - uma das melhores que já li! - O Pasquim, Antologia)


domingo, 25 de novembro de 2012

Felicidade é um cobertor quente

"Eu preciso do meu cobertor! Eu admito! Olhe para vocês. Quem entre vocês não sente insegurança? Quem entre vocês não depende de alguém ou de alguma coisa para ajudar a passar o dia? Quem entre vocês pode atirar a primeira pedra?" (Linus, Peanuts, Charles Schulz)



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Um banquinho, um violão (uma guitarra, um ukelele)

Documentário e show ou show permeado de imagens de Eddie Vedder fora do palco, viajando, escrevendo música, surfando ou cortando coco em sua casa no Havaí. Conversa e risos no palco. Versões acústicas para músicas do Pearl Jam, canções da carreira solo - algumas da trilha sonora de Na natureza selvagem (preciosidade o Vedder falando sobre o Chris McCandless entre Guaranteed e Setting Forth) -, a voz da EJ Barnes em Golden State ("We are luck, we are fate, we are the feeling you get in the golden state..."), belas interpretações de músicas de Bob Dylan (Girl from the North Country, Forever Young). Tudo isso e um pouco mais é Water on the Road: Eddie Vedder Live.


Sometimes

Large fingers pushing paint
You're God and you got big hands
The colours blend
The challenges you give man

Seek my part
Devote myself
My small self
Like a book amongst the many on a shelf

Sometimes I know
Sometimes I rise
Sometimes I fall
Sometimes I don't
Sometimes I cringe
Sometimes I live
Sometimes I walk
Sometimes I kneel
Sometimes I speak of nothing at all
Sometimes I reach to myself
dear God

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Poeme-se

(Poema de Vânia Jordão)


(Essa versão em pontos de ônibus de Vitória, com arte de Maiara Dias, faz parte do projeto de arquitetura e urbanismo Pontos de Arte, desenvolvido na Universidade Federal do Espírito Santo)

terça-feira, 6 de novembro de 2012

On the road, o filme (ou o livro?)

Literatura e cinema. Será que uma grande obra literária sobrevive à sua adaptação cinematográfica? Estava até com medo de assistir a On the road, só para não ter que pensar nestas questões, aliás, bem batidas. Livro é livro, filme é filme, e é inútil tentar comparar duas linguagens tão específicas e distintas entre si. Mas no caso de Jack Kerouac, não resisti à tentação da comparação.
Além de perder a forte sensação de "vida vivida" provocada pelo texto, meu maior receio antes de ver o filme era o de encontrar alguns de meus personagens literários favoritos mortos e esquartejados. Bom, Sal Paradise e Dean Moriarty até estão bem representados em sua versão cinematográfica, mas não são o Sal Paradise e o Dean Moriarty a quem contemplei, muito mais que libertários de tabus sociais, como verdadeiros espíritos livres, de uma liberdade de outra espécie, uma dimensão outra do que é ser livre.
Além da diferença - natural, por sinal - de representações mentais, quem ama o livro também corre o risco de esperar em vão pelas citações de algumas de suas passagens favoritas na narração em off. A delícia das palavras se perde...

A propósito da relação entre literatura e cinema, Gabriel García Márquez disse algo genial, em uma entrevista a Glauber Rocha:
"Um texto literário, de qualidade, é infilmável. Nada mais anticinematográfico que uma novela. Um filme baseado em roteiro não passa de uma ilustração, que pode ser bem feita, mas perderá sempre uma certa dimensão. Um poema é muito mais perto de um filme. Se eu fosse cineasta filmaria como se escrevesse um poema, inventando imagens."

Cinema e literatura. Talvez também seja válido o questionamento na direção oposta do fluxo entre as duas artes. Será que o filme, por si só, é capaz de criar o entusiasmo pela obra de Kerouac e levar os espectadores que não a conhecem a procurar e explorar seus livros? No caso de On the road, tenho minhas dúvidas...

Discussões batidas à parte, fica a dica. Do filme. E principalmente do livro.

"Amarguras, recriminações, conselhos, moralidade, tristeza - tudo lhe pesava nas costas, enquanto à sua frente se descortinava a alegria esfarrapada e extasiante de simplesmente ser."



sábado, 3 de novembro de 2012

A mulher segundo Vinicius

"Não há nada mais belo do que curtir o espetáculo de uma mulher vivendo o seu amor. Ela fica, ao mesmo tempo, intensa e transparente. Seu olhar adquire uma luz macia e parece interiorizar-se, como se estivesse sempre a prescrutar o próprio íntimo, e a beleza do que visse não pudesse ser revelada. Todos os seus gestos traduzem a posse de um segredo indizível, que é preciso guardar a qualquer preço, pois que todos o querem descobrir. E ao mesmo tempo que sua beleza física explode, ela fecha-se, no claustro de seu amor, que quer só para ela porque, de repente, tudo fica frágil, imensamente frágil."

(Vinicius de Moraes, "A mulher segundo Vinicius I", em O Pasquim - Antologia)