segunda-feira, 31 de março de 2008

Quando Nietzsche chorou

Ontem acabei de ler Quando Nietzsche chorou. Livro fascinante que mistura psicanálise com filosofia. E personagens reais! Nietzsche, Breuer, Freud, Lou Salomé... Que mais se poderia pedir?!
Logo, logo, sai a resenha. Por enquanto, coloco aqui alguns aforismos do personagem Nietzsche:

“Nossa responsabilidade para com a vida é criar o superior, não reproduzir o inferior.”
“É mais fácil, muito mais fácil, obedecer a outro do que dirigir a si mesmo.”
“É preciso ter caos e frenesi dentro de si para dar à luz uma estrela dançante.”
“(...) os amantes da verdade não temem águas tempestuosas ou turvas. O que tememos são águas rasas.”
“Uma perspectiva cósmica sempre atenua a tragédia. Se subirmos bastante, alcançaremos uma altura da qual a tragédia deixará de parecer trágica.”
“Viver de maneira segura é perigoso.”
“Torna-te quem tu és.”

domingo, 30 de março de 2008

Confissão

Às vezes, na parte de mim em que já não sou,
eu sinto você.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Novidade

Mais uma disciplina, mais uma tarefa, mais um blog!
Este caderno que se pretendia filosófico, sempre namorou um tantinho com a poesia e a literatura. A nova cria é puramente literária (ao menos por enquanto...). É um blog dedicado a resenhas.
Aos interessados:
http://www.apontamentosliterarios.blogspot.com/

quarta-feira, 19 de março de 2008

O silêncio

Rubem Alves

Tagarelas alegres são emissários do demônio - com suas palavras tolas eles nos tiram das águas profundas

O vento frio, aos golpes, anunciava que o inverno estava se aproximando. Nuvens cinzentas cobriam os Alpes, como navios que navegavam velozes, levadas pelo vento. Era um velho mosteiro de freiras que praticavam o silêncio, costume abençoado que libertava as pessoas da obrigação de conversar com os vizinhos às mesas de refeições. Não ser obrigado a conversar é uma felicidade.
É raro que as pessoas entendam isso. Eu iria dar uma fala, faltava ainda meia hora e procurei um lugar escondido onde pudesse ficar quieto com os meus pensamentos. Achei-o sob uma escada, quase invisível e ali me escondi. Foi então que uma pessoa delicada me viu ali sozinho e bondosamente pensou: "O professor Rubem Alves está abandonado..." Dois minutos depois meu refúgio estava cheio de pessoas falantes que destruíram a minha solidão... Os tagarelas alegres são emissários do demônio porque com suas palavras tolas eles nos tiram das águas profundas em que nos encontrávamos. Deus é o Grande Mar. A alma é um peixe. Os poetas sabem disso.
T.S. Eliot escreveu: "Nosso olhar é submarino. Olhamos para cima e vemos a luz que se fratura através das águas inquietas..."Hóspede naquele mosteiro, eu deveria obedecer aos horários e participar dos eventos. Um deles me horrorizou: participar das celebrações litúrgicas às 6h, às 12h e às 18h.
O santuário era um velho celeiro de madeira octogonal, muito grande e escuro, sem janelas. Os arquitetos, para pôr luz nas sombras, abriram buracos nas paredes, cobrindo-os com vidros coloridos. A luz do sol, entrando pelos orifícios e atravessando os vidros coloridos, faziam desenhos no espaço vazio, desenhos que se deslocavam à medida em que o sol caminhava pelo céu.Os bancos, poucos, seguiam três lados do octógono; a mesa, iluminada com velas, tinha no seu centro um ícone de Jesus ao estilo bizantino. Cheguei no horário. Poucas pessoas. Os mosteiros não são lugares que atraiam turistas.
Fiquei à espera do início da liturgia, que deveria iniciar-se suiçamente ao repicar dos sinos às 6h da manhã. Os sinos repicaram mas nada aconteceu, nenhuma reza, nenhum hino, nenhuma leitura bíblica.
Pus-me a examinar o espaço e as luzes que se entrecruzavam. O exercício de simplesmente ver tem o efeito de fazer parar o pensamento. Alberto Caeiro já dizia que "pensar é estar doente dos olhos..."
Os pensamentos, produtos internos da cabeça, são perturbações que distorcem a pureza da visão.
Aí, ao misticismo do ver seguiu-se o misticismo do ouvir. O vento descia furioso das montanhas, em golpes, lufadas que torciam a estrutura de madeira, provocando aqueles ruídos típicos de navios à vela batidos pelo vento. Ao lado do santuário havia uma plantação de macieiras nuas, o vento havia arrancado suas folhas todas, somente seus galhos pelados ficaram. Quando o vento sacudia a galharia era como se houvesse um mar enraivecido quebrando ondas. Aí os sons e as cores começaram a invocar poemas ancestrais.
"E a terra era um abismo sem forma e o vento de Deus soprava violentamente sobre a superfície das águas... E disse Deus: "Haja luz..." E aí meus pensamentos foram possuídos pela poesia.
Mas e a liturgia? Já eram 6h20. Percebi então que a liturgia havia começado às 6h, quando os sinos tocaram... Só silêncio...

***
Publicado na Folha de São Paulo, em 18/03/08:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1803200803.htm

quinta-feira, 6 de março de 2008

Sem café e sem chocolate!

Existem coisas sem as quais a gente imagina que não poderia sobreviver. A maioria dessas coisas que me são indispensáveis está relacionada a comida, por motivos que não consigo compreender... Vivo plenamente a asserção de que comer é uma das melhores coisas da vida.
Em geral, associo visitas a lugares às delícias que experimento, o que torna esses lugares ainda mais inesquecíveis. Cuca de uva e cueca virada de Gramado, croquete de ovo, churros e chocolate quente de Salamanca, tortinha de framboesa de Paris, barra de chocolate maravilhoso a 80 centavos do mercado Champion, café da manhã num boteco à beira da estrada no Paraná, o croissant de chocolate do café da História na usp. Coisas que, depois de provadas, me levam a pergutar: e agora? Como poderei viver sem isso? À felicidade do encontro junta-se a tristeza da separação e a constatação de uma ausência prolongada. Ainda sofro enormemente a distância de minhas últimas descobertas, todas em Florianópolis. A empanada integral do barzinho da Armação, o sorvete de ferrero rocher (sim, isso existe!), o cavaco do Angeloni (lembranças de minha avó...), a torta brownie de Santo Antônio de Lisboa.
Embora cada coisa seja única e insubstituível, a gente sempre pode descobrir novas alegrias ou celebrar as antigas. Assim, tento compensar as ausências com o que se encontra perto: o kibe do Empório Beirute, os churros da divisa, os pastéis do Carioca e do Toninho, o café Caracol, a cocada do posto do canal 6, a torta de banana do Sevilla...
Atualmente, circunstâncias do meu duodeno estão restringindo meus pequenos prazeres. A pior das restrições é a proibição de café e chocolate. Como assim? Sem café e sem chocolate?!? Mas sem café eu não vivo, seu doutor! Tudo bem, mas só com leite! Ele não sabe a falta que me faz... No entanto, apesar da falta, começo a perceber que as coisas que a gente tanto preza podem não ser tão indispensáveis quanto a gente imagina. E isso, até certo ponto, é triste. Perceber que a gente não precisa de algo do qual até gostava de depender. É parte do longo e contínuo processo de dizer adeus. Dramática, não? Mas é que eu estou falando de café e chocolate...