terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma história do amor

A História do Amor no Ocidente, de Denis de Rougemont, é considerado um clássico. Embora, graças à polêmica que apresenta, tenha suscitado posturas contraditórias entre os mais diversos estudiosos - ou justamente por isso -, o livro permanece um ponto de referência obrigatório para quem quer compreender o amor.
A tese fundamental de Rougemont é a de que o amor, tal como o conhecemos e vivemos atualmente, nasceu no século XII, no sul da França, a partir da relação entre religiões heréticas - em especial, o catarismo - e a poesia cortês. A linguagem amorosa teria surgido, assim, da necessidade de expressar conteúdos místicos que não poderiam ser declarados. O amor constituía, portanto, uma oposição direta à ortodoxia religiosa, tanto em sua postura fundamental quanto em seus costumes. Uma vez assimilados a linguagem e a postura amorosa, o amor é profanado e perde a ligação com a mística que o originou, tornando-se apenas uma retórica, sólida, porém, o suficiente, para alimentar todo o imaginário do Ocidente até os dias atuais.
O surgimento e consolidação desta retórica, capaz de expressar o sentimento, são fundamentais para a própria eclosão do sentimento, afinal, "quantos homens se apaixonariam se nunca tivessem ouvido falar de amor?"

Na falta dessa retórica, tais sentimentos certamente existiriam, mas de uma forma acidental, não-reconhecida, a título de extravagâncias inconfessáveis, como se fossem contrabando. Mas sempre verificamos que a invenção de uma retórica fazia avivar rapidamente certas potencialidades latentes do coração.

Código da cavalaria cortês, trovadorismo, o Eterno Feminino e o culto à mulher, costumes feudais, catarismo, tradição celta, platonismo, cristianismo, maniqueísmo, sufismo... o amor nasceu de uma verdadeira revolução:

No século XII, assistimos, tanto no Languedoc como no Limusino, a uma das mais extraordinárias confluências espirituais da história. De um lado, uma grande corrente religiosa maniqueísta, originária do Irã, atravessa a Ásia Menor e os Balcãs e atinge a Itália e a França, trazendo consigo a doutrina esotérica da Sofia-Maria e do amor pela "forma de luz". De outro, uma retórica altamente sofisticada, com seus processos, seus temas e personagens constantes, suas ambiguidades, renascendo sempre nos mesmos lugares, seu simbolismo, enfim, remonta desde o Iraque dos sufistas que sofreram influências platônicas e maniqueístas até a Espanha árabe e, ultrapassando os Pirineus, encontra no sul da França uma sociedade que, aparentemente, esperava apenas esses meios de linguagem para dizer aquilo que não ousava nem podia confessar na língua dos clérigos ou na fala vulgar. A poesia cortês nasceu desse encontro.
E assim, na última confluência das "heresias" da alma e daquelas do desejo, vindas do mesmo Oriente pelas duas margens do mar civilizador, nasceu o grande modelo ocidental da linguagem do amor-paixão.

Rougemont explora toda esta complexa e intrincada rede de relações que deu origem ao amor a partir da análise do mito de Tristão e Isolda e de uma verdade fundamental:

O amor feliz não tem história. Só existem romances do amor mortal, ou seja, do amor ameaçado e condenado pela própria vida. O que o lirismo ocidental exalta não é o prazer dos sentidos nem a paz fecunda do par amoroso. É menos o amor realizado do que a paixão de amor. E paixão significa sofrimento. Eis um fato fundamental.
(...) Tristão e Isolda não se amam; eles o dizem e tudo o confirma. O que amam é o amor, é o próprio fato de amar. E agem como se tivessem compreendido que tudo o que se opõe ao amor o garante e o consagra em seus corações, para exaltá-lo ao infinito no instante do obstáculo absoluto que é a morte.
Tristão gosta de sentir amor, muito mais do que ama Isolda, a loura. E Isolda nada faz para retê-lo perto de si: basta-lhe um sonho apaixonado. Precisam um do outro para arder em paixão, mas não um do outro tal como cada um é; precisam mais da ausência que da presença do outro.
A separação dos amantes resulta assim de sua própria paixão e do amor que têm por sua paixão, mais do que o seu contentamento, mais do que seu objeto vivo.

A compreensão do mito, em todo o seu simbolismo, e de sua influência sobre o pensamento ocidental, ajuda a revelar o funcionamento da nossa própria postura diante do amor e da vida:

Paixão quer dizer sofrimento, coisa sofrida, preponderância do destino sobre a pessoa livre e responsável. Amar o amor mais do que o objeto do amor, amar a paixão por si mesma, desde o amabam amare de Santo Agostinho até o romantismo moderno, é amar e procurar o sofrimento.
Amor-paixão: desejo daquilo que nos fere e nos aniquila pelo seu triunfo. É um segredo cuja confissão o Ocidente jamais tolerou e não cessou de recalcar - de preservar!
(...) O êxito prodigioso do Romance de Tristão revela em nós, queiramos ou não, uma preferência íntima pela infelicidade. Não importa se essa infelicidade, segundo a força de nossa alma, é a "deliciosa tristeza" e o esplim da decadência, o sofrimento que transfigura ou o desafio que o espírito lança ao mundo: o que procuramos é aquilo que pode nos exaltar até o ponto de alcançarmos, sem querer, a "verdadeira vida" declamada pelos poetas. Mas essa "verdadeira vida" é a vida impossível. Esse céu de nuvens exaltadas, crepúsculo purpúreo de heroísmo, não anuncia o Dia, mas a Noite! A "verdadeira vida está ausente", diz Rimbaud. É apenas um dos nomes da Morte, o único nome pelo qual ousaríamos chamá-la - embora fingindo rejeitá-la.
Por que preferimos a narrativa de um amor impossível a outra qualquer? É que amamos a ardência e a consciência do que arde em nós.

Mística e amor-paixão estão intimamente ligados não apenas pela origem, mas por qualidades, motivos ou posturas comuns que os determinam. Uma destas características é expressa pela frase de Novalis: "Estamos a sós com tudo o que amamos":

Essa máxima traduz, aliás, entre muitos sentidos possíveis, um fato de observação puramente psicológica: a paixão não é absolutamente a vida mais rica sonhada pelos adolescentes: ela é, bem ao contrário, uma espécie de intensidade nua e desnudante, sim, verdadeiramente um amargo desnudamento, um empobrecimento da consciência destituída de toda diversidade, uma obsessão da imaginação concentrada numa única imagem - e a partir daí o mundo desaparece, "os outros" deixam de estar presentes, já não há próximo nem deveres ou laços que se mantenham, nem terra ou céu: estamos a sós com tudo o que amamos. "Perdemos o mundo, e o mundo a nós." É o êxtase, a fuga profunda para além de todas as coisas criadas.

A análise do amor-paixão leva a um dos principais temas discutidos por Rougemont: a crise do casamento burguês, explicada a partir da contradição entre duas morais - Eros, ou o amor-paixão, e Ágape, o amor cristão - e da ilusão que o conceito de paixão cria em nós:

O homem moderno, o homem da paixão, espera que o amor fatal lhe revele algo sobre ele mesmo ou sobre a vida em geral: último ranço da mística primitiva. Da poesia à anedota picante, a paixão é sempre a aventura. É o que vai transformar minha vida, enriquecê-la de novidades, de riscos estimulantes, de prazeres cada vez mais violentos e sedutores. É a porta aberta ao possível, um destino que se submete ao desejo! Nele penetrarei, ascenderei até ele e até ele serei "transportado"! A eterna ilusão, a mais ingênua e - nem é preciso dizer - a mais "natural" para muitos... Ilusão de liberdade. E ilusão de plenitude. 

Negar, então, a paixão, e sucumbir ao tédio? Superar a ilusão da paixão e decidir pelo amor que é ação, em detrimento do amor contemplativo, pode ser uma alternativa para viver uma experiência amorosa concreta e plena, baseada, sobretudo, na fidelidade, que não é negação ou sublimação forçada de desejos e instintos (já que os desejos, em última análise, nunca podem ser satisfeitos, apenas substituídos), mas a "aceitação incondicional de um ser em si, limitado e real, que escolhemos não a pretexto de enaltecê-lo, ou como 'objeto de contemplação', mas como um ser único e autônomo que vive ao nosso lado, uma imposição do amor ativo.":

O exercício da fidelidade para com uma mulher leva o homem a encarar as outras mulheres de maneira totalmente nova, desconhecida no mundo de Eros: como pessoas, não mais como reflexos ou objetos. Esse "exercício espiritual" desenvolve novas faculdades de julgamento, de controle de si mesmo e de respeito. Ao contrário do homem erótico, o homem fiel não procura mais ver numa mulher somente esse corpo interessante ou desejável, esse gesto involuntário ou aquela expressão fascinante; ele pressente, de imediato, o mistério profundo e grave de uma existência autônoma, estranha, de uma vida total, da qual, na verdade, só desejou um aspecto ilusório ou fugidio, projetado talvez por seu próprio sonho. Assim, a tentação se dissipa, desnorteada, em vez de se tornar obsessiva, e a fidelidade se garante pela lucidez que desenvolve. O poder do mito de enfraquece na mesma medida. Embora seja improvável que desapareça sem deixar marcas no coração de um homem moderno, perde ao menos sua eficácia: já não determina a pessoa. 

Moralismo ou não, casamento e fidelidade, no que representam um encontro e um diálogo, são, para Rougemont, um caminho para uma felicidade possível:

Analogamente à fé, é possível depreender que a paixão, nascida de um desejo mortal de união mística, só pode ser superada e realizada pelo encontro de um outro pela aceitação de uma existência própria, de sua pessoa para todo sempre diferente da nossa, mas que oferece uma aliança sem fim, iniciando um diálogo verdadeiro. Então a angústia, satisfeita pela resposta, e a nostalgia, satisfeita pela presença, deixam de buscar uma felicidade sensível, deixam de sofrer, aceitam a vida. E então o casamento é possível. Somos dois no contentamento. 

domingo, 22 de maio de 2011

A maior aventura

Quando um ser de cinco anos nos diz que teve a maior aventura da sua vida, sabemos que acabamos de viver algo grandioso.
Hoje foi a vez do Miguel conhecer o parque do Ipupiara. Nossa pequena odisséia começou com uma proposta singela, totalmente despretensiosa: "vamos lá ver os peixinhos?". Após alguma hesitação, iniciamos nossa jornada.
No caminho, adverti o herói sobre os perigos que nos aguardavam:
- Lá tem um monstro.
- Um monstro? De verdade ou de estátua?
- Você vai descobrir quando chegar lá. Você tá com medo?
- Não sei.
- Você é corajoso. Acho que você vai conseguir enfrentar o monstro.
- De que cor ele é?
- Cinza. Ele tem uma cara horrível e um rabo de peixe. E ele vive na água.
- Lá também tem tubarão?
A aproximação aumentava a ansiedade. Estávamos na direção da fera. Só um monumento pintado de amarelo nos afastava. Com todo o medo de que era capaz, o herói finalmente encarou o monstro. E o medo se fez coragem, e a coragem se fez alívio - mas não diminuiu a excitação da empreitada.
Depois de superado o principal obstáculo, tudo poderia ser usufruído como se deve, tudo era objeto de prazer.
Os peixes. Peixinhos, peixões. Cinza, laranja, preto, laranja e preto, um único branco, inalcançável. O "sucesso" ao finalmente conquistá-los com biscoitos de polvilho. A coragem dos pequenos, o receio dos grandes.
- Viu que quando a gente se aproxima, os grandes saem correndo? Mas os pequenos não têm medo nenhum. É como você e eu. Sou maior que você, mas você é muito mais corajoso.
O parquinho. Escorregador, escorregadores. Gangorra - a baixa, a alta. O balanço e a aprendizagem de voar sozinho. A criança grande acompanhando a pequena em tudo, sob o olhar curioso de alguns pais.
- Será que vão brigar comigo porque eu sou grande?
- Não.
- Será que eu vou caber?
- Abaixa assim.
Os pés cheios de areia, a alma cheia.
A praça do leão. Hora de lavar os pés e conhecer os leões que dão água pela boca.
- O leão é de verdade?
- É.
Pés e almas lavados, a sede saciada da forma mais divertida.
- Essa água é super poderosa e vai te dar super poderes. Vai te dar a força e a coragem do leão.
O momento da anunciação, sorriso escancarado no rosto, misto de alegria e orgulho: "Nossa, vivi a maior aventura da minha vida". O orgulho e a alegria redobrados em mim, sorriso na alma.
Mais uma vez o parque, mais uma vez os peixes.
- Agora a gente não pode mais brincar no parquinho porque senão vai sujar tudo de novo e a gente vai ter que lavar tudo de novo.
- Verdade. Você quer ir ver os pescadores?
- Quero.
A atração das varas de pescar, a distância dos lançamentos, os gritos de admiração, os pedaços de peixe como isca, a simpatia dos pescadores, os peixes pescados - vários mortos, vivo um, morrendo aos poucos.
A determinação de completar a jornada.
- Vamos voltar?
- Não. A gente tem que ir até o final.
- Até a ponte?
- Até a ponte.
Missão completa, hora do retorno.
Durante o caminho de volta, o desafio agora era dele:
- Agora vamos brincar de super-herói?
Ele só não sabia que já era herói desde o início...
E esta é a maior aventura da minha vida: participar, como testemunha e coadjuvante, da evolução - que, na verdade, é manifestação, auto-revelação - de um ser, em toda a sua grandeza e seu mistério.

sábado, 21 de maio de 2011

Amizade também é amor

(Presente do Igor e para o Igor)



Oração
(A banda mais bonita da cidade)

Meu amor
Essa é a última oração
Pra salvar seu coração
Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na dispensa

Cabe o meu amor
Cabe em três vidas inteiras
Cabe em uma penteadeira
Cabe em nós dois

Cabe até o meu amor
Essa é a última oração pra salvar seu coração
Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na dispensa

Cabe o meu amor
Cabe em três vidas inteiras
Cabe em uma penteadeira
Cabe essa oração

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Amor e filosofia

E por falar em filosofia, o livro O amor segundo os filósofos, de Maurizio Shoepflin,  apresenta uma introdução à teoria e concepção amorosa dos principais pensadores ocidentais, desde Platão até Lévinas.

"Poderíamos pensar que o tema do amor talvez não seja um assunto essencialmente filosófico, e sim mais relacionado com a especulação teológica ou com a criação artística. Na realidade, porém, podemos afirmar que, ao longo de muitos séculos da história do pensamento, não houve nenhum filósofo que não tenha manifestado interesse por este assunto; aliás, algumas páginas dedicadas ao amor alcançam os níveis mais altos da literatura filosófica de cada época, demonstrando assim a íntima adequação deste tema de reflexão à própria índole do processo do pensar filosófico.
Por isso, pensadores de todas as épocas, defensores das concepções mais diversas do mundo e da vida perceberam o fascínio do amor, debatendo com grande dedicação suas ideias a respeito, tanto assim que as suas teorias acabaram construindo um grande mosaico extremamente sugestivo."

O mosaico do livro de Shoepflin é formado pelo pensamento de Platão, Plotino, Agostinho, Boaventura, Tomás de Aquino, Ficino, Spinoza, Rousseau, Schleiermacher, Schopenhauer, Rosmini, Feuerbach, Kierkegaard, Scheler, Buber, Maritain, Stein, Sartre e Lévinas.
A estrutura do livro é dividida em duas partes. Na primeira, o autor introduz os principais conceitos da teoria de cada filósofo, e, na segunda, trechos de suas obras.
Alguns pensadores tratam do amor romântico (ou do "amor natural"), seja louvando-o - como o próprio Platão e Rousseau - ou criticando-o como uma ilusão ou uma impossibilidade - caso de Schopenhauer e Sartre. Outros discutem uma teoria amorosa segundo a doutrina cristã: é o amor caridade - o amor a Deus, o amor de Deus e o amor ao próximo. Assim, é possível conhecer diferentes concepções do amor, a partir de diferentes pontos de vista.
O amor segundo os filósofos é um breve texto de referência que cumpre o seu papel, que é o despertar o interesse pelo pensamento filosófico sobre o amor e de suscitar a vontade de se dirigir diretamente à obra original dos pensadores.

*

Para finalizar, deixo uma passagem de Martin Buber, para quem o amor é essencialmente diálogo entre um eu e um tu:

Aqueles que permanecem fiéis ao eros dialógico de asas poderosas reconhecem o ser amado. Eles experimentam a vida que é própria dele na sua simples presença: não como um objeto visto e tocado, mas através das suas nervaturas e dos seus movimentos, a partir do seu "interior" até o seu "exterior".
(...) O reino do eros de asas cortadas é um mundo de espelhos e de reflexos. Mas onde reina aquele que tem as asas intactas, não existe reflexo: nesta situação, eu, o amante, compreendo este outro ser humano, o amado, na sua alteridade, na sua independência e realidade, e o entendo com toda a força de orientação do meu espírito. O entendo, por certo, como alguém que existe enquanto se dirige a mim, mas justamente naquela realidade que não se refere a mim, mas que no entanto está ao meu redor, na qual eu existo enquanto me dirijo a ele. Não me represento como alma aquilo que vive na minha frente, mas o prometo a mim, assim como asseguro me prometer a ele. O eros dialógico possui a simplicidade da plenitude, ao passo que o monológico tem muitas variedades. Durante muitos anos percorri a terra do homem e não acabei ainda de estudar as variedades do "erótico" (como por vezes se faz chamar o súdito daquele que tem as asas quebradas). Lá perambula alguém apaixonado, mas está apaixonado somente pela própria paixão. Lá o indivíduo carrega os seus diferentes sentimentos como enfeites. Lá cada qual goza a aventura do seu fascínio. Lá alguém pode fazer coleção de excitações.
Lá ele pode por em jogo a "potência". Lá há quem se exalta por uma estranha vitalidade. Lá se encontra quem se diverte a ser ele próprio e, ao mesmo tempo, um ídolo com o qual não tem qualquer semelhança. Lá alguém se aquece no incêndio do próprio sucesso. Lá cada indivíduo pode fazer suas próprias experiências. E assim por diante, todos os diversos tipos humanos que, mesmo prolongando entre si o diálogo mais íntimo, no fim acabam representando um monólogo diante do espelho!
(...) Todos esses indivíduos não agarram outra coisa senão o ar. Somente quem compreende o outro como um ser humano, dirigindo-se a ele enquanto tal, através dele acolhe o mundo. Somente o ser cuja alteridade é acolhida pelo meu ser e vive diante de mim na dimensão da sua existência pode trazer-me o brilho da eternidade. Somente quando duas pessoas, com toda a sua realidade pessoal, podem dizer uma à outra: "É você!", podem encontrar morada entre elas.

domingo, 15 de maio de 2011

O amor platônico

Banquete e Fedro são os dois diálogos de Platão que têm o amor como tema.
A influência da teoria platônica sobre o pensamento ocidental foi tão grande que até hoje usamos a expressão "amor platônico" para nos referir a um tipo de forte paixão idealizada, não realizada, inspirada mais nos afetos da alma que nos desígnios do corpo. Isso porque, como não poderia deixar de ser, Platão aplicou sua teoria das ideias ao seu conceito de amor.
No Banquete, estando alguns nomes eminentes de Atenas reunidos em um jantar na casa de Agáton, surge a proposta de cada um realizar um discurso em louvor a Eros, o deus do Amor. Sócrates é o último a falar, mas, mesmo criticando os discursos que o precederam como falsos, o conteúdo de alguns deles ainda permeia nosso imaginário sobre o amor. É o caso da lenda, contada por Aristófanes, do andrógino original, cortado ao meio em punição pelos deuses, buscando, assim, por toda a vida, reencontrar a sua metade:

É daí que se origina o amor que as criaturas sentem umas pelas outras; e esse amor tende a recompor a antiga natureza, procurando de dois fazer um só, e assim restaurar a antiga perfeição.
(...) quando encontram a sua metade correspondente, são transportados por uma onda de amor, de ternura e de simpatia; para tudo dizer numa palavra, não desejam estar separadas nem um instante sequer. E são essas as pessoas que vivem juntas toda a vida, sem conseguirem aliás explicar o que mutuamente esperam uma da outra; pois não parece ser o prazer dos sentidos a causa de tanto encanto em viver juntas. É evidente que a alma de cada uma deseja outra coisa que não conseguem dizer o que seja, que pressentem e às vezes exprimem de maneira misteriosa.
(...) E a razão disso é que assim era nossa antiga natureza, pelo fato de havermos formado anteriormente um todo único. E o amor é o desejo e a ânsia dessa completude, dessa unidade.

Após os discursos de Fedro, Pausânias, Erixímaco, Aristófanes e Agáton, chega a vez Sócrates, que introduz o artifício do diálogo e a personagem Diotima, para discorrer livremente sobre o assunto, atribuindo-lhe seu conteúdo. Seguindo o método socrático do diálogo, em que se procura desconstruir as opiniões errôneas do interlocutor por meio de perguntas, alcançando, assim, a verdade, Diotima conduz Sócrates ao conceito de amor como desejo do bem e do belo, assim como desejo de imortalidade e de procriar no belo:

Os que, porém, desejam procriar pelo espírito - pois há pessoas que mais desejam com a alma do que com o corpo (e ela é mais fecunda ainda que o corpo) -, esses anseiam por criar aquilo que à alma compete criar. Que criação será esta? É do pensamento e das demais virtudes.
(...) É bem provável, caro Sócrates, que tenhas acesso a este grau de iniciação na doutrina do amor; não sei, todavia, se poderás chegar ao grau superior, o da revelação que é o fim a que irão ter todos os que praticam a boa via.

E esta revelação é a do amor, no caminho de ascese espiritual, como instrumento para se chegar a contemplar a Beleza Absoluta:

Quando, das belezas inferiores nos elevamos através de uma bem entendida pedagogia amorosa, até a beleza suprema e perfeita, que começamos então a vislumbrar, chegamos quase ao fim, pois na estrada reta do amor, quer a sigamos sozinhos quer nela sejamos guiados por outrem, cumpre sempre subir usando desses belos objetos visíveis como de degraus de uma escada: de um para dois, de dois para todos os belos corpos, dos belos corpos para as belas ocupações, destas aos belos conhecimentos - até que, de ciência em ciência, se eleve por fim o espírito à ciência das ciências que nada mais é do que o conhecimento da Beleza Absoluta. Assim, finalmente, se atinge o conhecimento da Beleza em si!
(...) Que deveremos pensar de um homem ao qual tivesse sido dado contemplar a beleza pura, simples, sem mistura, a beleza não revestida de carne, de cores, e de várias outras coisas mortais e sem valor - mas a Beleza Divina? Achas que não teria valor a vida daquele que elevasse o seu olhar para ela e a contemplasse, e com ela vivesse em comunicação? Não te parece que, vendo assim adequadamente o belo, esse homem seria o único a poder criar, não sombras de virtude, mas a verdadeira virtude, uma vez que se encontra em contato com a verdade? Ora, para aquele que em si cria e alimenta a verdadeira virtude é que vão os favores e o amor dos deuses - e, se é dado ao homem tornar-se imortal, ninguém mais do que esse o consegue!
*

No Fedro, o amor é apenas uma justificativa para Sócrates criticar a arte retórica, tal como era praticada pelos oradores e sofistas de então, para quem o "parecer verdadeiro" era mais importante do que a verdade de um discurso.
O mote do diálogo entre Fedro e Sócrates é o discurso de Lísias, em que este defende que se deve antes conceder favores ao não apaixonado que ao apaixonado. É importante lembrar que, nessa época, era costume o amor entre homens. A partir deste discurso, Sócrates realiza outros dois, um retórico e vazio, à maneira de Lísias, e outro inspirado na verdade, para, em seguida, analisar a construção retórica e definir o que seria, de fato, o bem escrever.
Apesar de ser tema secundário, o amor não deixa de ser discutido seriamente, a partir do estudo da natureza da alma. Sócrates usa a imagem do carro alado para descrever a alma, sendo esta guiada por um cocheiro e dois cavalos em eterna disputa, um bom e virtuoso, o outro, mau e arrastado por seus desejos. Assim, o amor é inspirado por delírio divino e constitui a força que direciona a alma no caminho de ascese da contemplação das Ideias Puras.

Se conseguem que o amado compartilhe com eles do mesmo interesse, do mesmo amor, a sua vitória é, ao mesmo tempo, uma iniciação.
(...) Se a melhor parte da alma é, pois, a vitoriosa e os conduz a uma vida bem ordenada e filosófica, eles passam o resto da existência felizes e em concórdia, governando-se honestamente, escravizando a parte da alma que é viciosa e libertando a outra que é virtuosa. (...) Mas se se dedicam a uma vida em comum sem filosofia, e contudo honesta, pode suceder que os dois corcéis rebeldes os dominem num momento de embriaguez ou de desordem, os corcéis indomáveis dos dois amantes, apoderando-se de suas almas pela surpresa, os conduzirão ao mesmo fim. Eles escolherão o gênero de vida mais invejado aos olhos do vulgo e se precipitarão nos gozos. Satisfeitos, gozarão ainda os mesmos prazeres mas isso será raro, porque esses mesmos prazeres não serão aprovados pela totalidade da alma. Terão uma afeição que os ligará mas que será sempre menos forte do que aquela que liga os que verdadeiramente se amam.
Quando cessa o delírio, ainda pensam que os ligam os mais preciosos compromissos. Crêem que seria sacrílego cortar essa união e abrir seus corações ao ódio. Ao findarem os seus dias, impacientes para tomarem novas asas, as almas abandonam os seus corpos, terminando assim, com recompensa, o seu delírio amoroso. A lei divina não permite, aliás, àqueles que junto iniciaram a sua viagem celeste, que se precipitem nas trevas subterrâneas. Esses passam uma vida feliz e cheia de venturas numa eterna união e, ao receberem asas, recebem-nas juntos, em virtude do amor que os uniu na terra.
São estas coisas divinas, rapaz, que te dará o amor do que ama com paixão. O amor daquele que não tem paixão, daquele que apenas possui a sabedoria mortal e que se preocupa com os bens do mundo, só gera na alma do amado a prudência do escravo à qual o vulgo dá o nome de virtude mas que o fará vagar, privado de razão, na terra e sob a terra por nove mil anos.

sábado, 14 de maio de 2011

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Sendo a alma criada com inclinação para o amor, corre ao encontro de tudo que lhe acene alegrias, se em nome do amor nessa direção for convocada. Para que o instinto do amor se transforme em ato de amor, o teu entendimento recolhe imagens que, desenvolvidas no íntimo, atraem outras almas. E quando elas se entregam, essa entrega é o amor, é a própria natureza que, pelo liame do prazer amoroso, de novo se funde com o homem. E qual chama que busca elevar-se, em virtude de sua forma que para o alto sempre tende, em direitura do centro onde sua remota origem ainda arde; é pelo desejo que a alma se incendeia, num impulso espiritual que não aplaca enquanto do objeto amado não consegue a posse ambicionada.
(...) Ora, esta primeira tendência - a de querer amar - não acarreta nem louvores nem admoestações.
Mas precisamente para que, em torno e em sequência deste primeiro querer, se acrisolem altos objetivos é que a razão é inata em nós, incumbindo-lhe a vigilância da porta pela qual entram as paixões na alma.

(A Divina Comédia, Dante Alighieri)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Machado de Assis no top five de Woody Allen

Pelo jeito, não é apenas na relação de favoritos de leitores brasileiros que figura um obra-prima de Machado de Assis.
O jornal The Gardian publicou na última sexta-feira a lista dos cinco livros que tiveram maior impacto sobre o cineasta Woody Allen, entre eles, Memórias póstumas de Brás Cubas:

"Recebi uma correnspondência um dia. Um estranho do Brasil me mandou e escreveu: 'você vai gostar disso'. Porque é um livro fino, eu li. Se fosse um livro grosso, teria descartado.
Fiquei chocado em como era interessante e divertido. Não podia acreditar que ele viveu tanto tempo atrás. Você poderia pensar que ele escreveu ontem. É tão moderno e tão divertido. É um trabalho realmente muito original. Me tocou da mesma forma que O apanhador no campo de centeio. É sobre um assunto que eu gosto e que foi tratado com grande sagacidade, originalidade e nenhum sentimentalismo."

Os outros livros favoritos de Allen são O apanhador no campo de centeio, de JD Salinger; Really the Blues, de Mezz Mezzrow e Bernard Wolfe; The worl of SJ Perelman e Elia Kazan: uma biografia, de Richard Schickel.
A matéria completa está aqui.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Um poeta do amor

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem muitas vezes enquanto vivem,
têm a eternidade da natureza.
(Pablo Neruda)

Esperava encontrar no livro de memórias do poeta chileno Pablo Neruda um relato apaixonado de suas experiências amorosas. Afinal, Neruda é geralmente lembrado por seus ardentes poemas de amor. No entanto, o que encontrei em Confesso que vivi foi o relato apaixonado de sua luta política. Em sua vida de poeta e seu trabalho junto à Embaixada do Chile e depois como senador, descobriu o poder da poesia como arma. Em suas lutas em defesa da liberdade, sua poesia assume a crítica combativa e um sentimento profundo da condição humana. Seus poemas, porém, são libertários, mas não panfletários. Neruda consagrou-se como “poeta do povo” em virtude da força e do poder de comunhão de sua poesia.
É este aspecto do poeta que se sobressai em suas memórias. O amor aparece em raras passagens. Uma delas, a história do primeiro amor, nascido - não podia ser diferente - por meio da palavra:

Os primeiros amores, os puríssimos, se desenvolveram em cartas enviadas a Blanca Wilson. Esta menina era filha do ferreiro e um dos rapazes, perdido de amor por ela, pediu-me que escrevesse por ele suas cartas amorosas. Não me lembro como seriam estas cartas que foram talvez meus primeiros trabalhos literários, pois, certa vez, ao encontrar-me com a estudante, esta me perguntou se era eu o autor das cartas que seu namorado lhe levava. Não me atrevi a renegar minhas obras e muito perturbado respondi que sim. Então ela me deu um doce de marmelo que, é claro, não quis comer e guardei como um tesouro. Afastado assim meu companheiro do coração da menina, continuei escrevendo intermináveis cartas de amor e recebendo doces de marmelo.

Outra passagem devotada ao amor é o capítulo dedicado a Matilde, esposa de Neruda de 1955 até a morte do poeta, em 1973.

Matilde Urrutia, minha mulher

Minha mulher é da província como eu. Nasceu numa cidade do Sul, Chillán, famosa de maneira feliz por sua cerâmica camponesa e de maneira desgraçada pelos seus terríveis terremotos. Ao falar-lhe,
disse tudo em meus Cem Sonetos de Amor.
Talvez estes versos definam o que ela significa para mim. A terra e a vida nos reuniu.
Ainda que isto não interesse a ninguém, somos felizes. Dividimos nosso tempo comum em longas temporadas na solitária costa do Chile. Não no verão porque o litoral, ressequido pelo sol, mostra-se então amarelo e desértico; mas no inverno sim, quando uma estranha floração se veste com as chuvas e o frio, de verde e amarelo: de azul e purpúreo. Algumas vezes subimos do selvagem e solitário oceano para a trepidante cidade de Santiago, na qual juntos padecemos com a complicada existência dos demais.
Matilde canta com voz poderosa as minhas canções.
Dedico-lhe tudo que escrevo e tudo que tenho. Não é muito mas ela está contente.
Diviso-a agora como afunda os sapatos minúsculos no barro do jardim e depois também afunda suas mãos minúsculas na profundidade da planta. Da terra, com pés e mãos e olhos e voz, trouxe para mim todas as raízes, todas as flores, todos os frutos fragrantes da felicidade.

*


Se não nas memórias, é nos poemas de Neruda que vamos encontrar o poeta do amor.
Cem poemas de amor dedicados à mulher, Matilde Urrutia.
Um amor real, feito de carne e osso, de luz e sombra, de fogo e luta. Um amor do dia e da noite, do pão e do trigo, da chuva e do mar.



Soneto XVII
No te amo como si fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.
Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.
Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,
sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.

Soneto XXV
Antes de amarte, amor, nada era mío:
vacilé por las calles y las cosas:
nada contaba ni tenía nombre:
el mundo era del aire que esperaba.
Yo conocí salones cenicientos,
túneles habitados por la luna,
hangares crueles que se despedían,
preguntas que insistían en la arena.
Todo estaba vacío, muerto y mudo,
caído, abandonado y decaído,
todo era inalienablemente ajeno,
todo era de los otros y de nadie,
hasta que tu belleza y tu pobreza
llenaron el otoño de regalos.

Soneto XXIX
Vienes de la pobreza de las casas del Sur,
de las regiones duras con frío y terremoto
que cuando hasta sus dioses rodaron a la muerte
nos dieron la lección de la vida en la greda.
Eres un caballito de greda negra, un beso
de barro oscuro, amor, amapola de greda,
paloma del crepúsculo que voló en los caminos,
alcancía con lágrimas de nuestra pobre infancia.
Muchacha, has conservado tu corazón de pobre,
tus pies de pobre acostumbrados a las piedras,
tu boca que no siempre tuvo pan o delicia.
Eres del pobre Sur, de donde viene mi alma:
en su cielo tu madre sigue lavando ropa
con mi madre. Por eso te escogí, compañera.

Soneto XLIV
Sabrás que no te amo y que te amo
puesto que de dos modos es la vida,
la palabra es un ala del silencio,
el fuego tiene una mitad de frío.
Yo te amo para comenzar a amarte,
para recomenzar el infinito
y para no dejar de amarte nunca:
por eso no te amo todavía.
Te amo y no te amo como si tuviera
en mis manos las llaves de la dicha
y un incierto destino desdichado.
Mi amor tiene dos vidas para armarte.
Por eso te amo cuando no te amo
y por eso te amo cuando te amo.

Soneto XLVI
De las estrellas que admiré, mojadas
por ríos y rocíos diferentes,
yo no escogí sino la que yo amaba
y desde entonces duermo con la noche.
De la ola, una ola y otra ola,
verde mar, verde frío, rama verde,
yo no escogí sino una sola ola:
la ola indivisible de tu cuerpo.
Todas las gotas, todas las raíces,
todos los hilos de la luz vinieron,
me vinieron a ver tarde o temprano.
Yo quise para mí tu cabellera.
Y de todos los dones de mi patria
sólo escogí tu corazón salvaje.

Soneto LXVI
No te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.
Te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.
Tal vez consumirá la luz de Enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.
En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego.

Soneto LXIX
Tal vez no ser es ser sin que tú seas,
sin que vayas cortando el mediodía
como una flor azul, sin que camines
más tarde por la niebla y los ladrillos,
sin esa luz que llevas en la mano
que tal vez otros no verán dorada,
que tal vez nadie supo que crecía
como el origen rojo de la rosa,
sin que seas, en fin, sin que vinieras
brusca, incitante, a conocer mi vida,
ráfaga de rosal, trigo del viento,
y desde entonces soy porque tú eres,
y desde entonces eres, soy y somos,
y por amor seré, serás, seremos.

Soneto LXXXIX
Cuando yo muera quiero tus manos en mis ojos:
quiero la luz y el trigo de tus manos amadas
pasar una vez más sobre mí su frescura:
sentir la suavidad que cambió mi destino.
Quiero que vivas mientras yo, dormido, te espero,
quiero que tus oídos sigan oyendo el viento,
que huelas el aroma del mar que amamos juntos
y que sigas pisando la arena que pisamos.
Quiero que lo que amo siga vivo
y a ti te amé y canté sobre todas las cosas,
por eso sigue tú floreciendo, florida,
para que alcances todo lo que mi amor te ordena,
para que se pasee mi sombra por tu pelo,
para que así conozcan la razón de mi canto.

*
Para mais Neruda, deixo a indicação do filme O carteiro e o poeta, um belo hino ao amor e à poesia:



terça-feira, 3 de maio de 2011

Parênteses

Antes de continuar minhas leituras sobre o amor, preciso abrir um parêntese.
No meio de tantas ideias sobre o amor, hoje fui presenteada com uma verdadeira história de amor. Verdadeira não porque teve final feliz - ainda não - mas pela força e verdade que foi capaz de transmitir.
Com o encontro de hoje, nascido da dúvida e da indecisão - modos sutis de disfarçar uma coragem aterradora -, reafirmei minhas crenças de que o amor é para poucos. Muitas pessoas se contentam apenas com a convivência amorosa, sem nunca viver a experiência amorosa. É companhia, é necessidade, é costume. Será amor? Amor é encontro, é entrega, é reconhecimento de si no outro. Amor não é para os fracos. Nem para os que se contentam com pouco.
"Muitas coisas na vida são medíocres. O amor não pode ser uma delas."

(Obrigada, Vivi, por me fazer sentir algo real e me lembrar a verdadeira beleza em que acredito e que ainda busco no amor.)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

A chama dupla

(...) o amor é desejo de completude e assim responde a
uma necessidade profunda dos homens. (Octavio Paz)

Neste belíssimo ensaio, Octavio Paz passeia pela história literária e filosófica do amor e do erotismo - ambos construções, criações humanas a partir da sexualidade animal -, desde a Antiguidade até os dias de hoje, passando, entre outros, por Platão, o amor cortês, Marquês de Sade e o surrealismo de André Breton.
Além do fio histórico do amor, e atadas a ele, o escritor apresenta reflexões agudas e, ao mesmo tempo, apaixonadas, sobre o conceito e o sentimento amoroso.
O ponto de partida é a metáfora da chama: "Segundo o Dicionário de Autoridades, a chama é 'a parte mais sutil do fogo, que se eleva e levanta ao alto na figura piramidal'. O fogo original e primordial, a sexualidade, levanta a chama vermelha do erotismo e esta, por sua vez, sustenta e alça outra chama, azul e trêmula: a do amor. Erotismo e amor: a chama dupla da vida".

O amor humano, quer dizer, o verdadeiro amor, não nega o corpo nem o mundo. Também não deseja outro mundo nem se vê como um trânsito em direção a uma eternidade além da mudança e do tempo. O amor é amor não a este mundo, mas deste mundo; está atado à terra pela força de gravidade do corpo, que é prazer e morte. Sem alma - ou como quiserem chamar esse sopro que faz de cada homem e de cada mulher uma pessoa - não há amor, mas também não há amor sem corpo. Pelo corpo, o amor é erotismo e assim se comunica com as forças mais vastas e ocultas da vida. Ambos, o amor e o erotismo - chama dupla - se alimentam do fogo original: a sexualidade.

As características que definem o amor revelam sua natureza contraditória, paradoxal ou misteriosa: a exclusividade (por que amamos esta pessoa e não outra?); apetite de posse e desejo de entrega; obstáculo e transgressão; domínio e submissão; a união de contrários: corpo e alma; fatalidade (destino) e liberdade (escolha).

O amor é composto de contrários que não podem se separar e que vivem sem cessar em luta e reunião com eles mesmos e com os outros. Estes contrários, como se fossem dois planetas do estranho sistema solar das paixões, giram em torno de um único sol. Este sol também é duplo: o casal. Contínua transmutação de cada elemento: a liberdade escolhe a servidão, a fatalidade se transforma em eleição voluntária, a alma é corpo e o corpo é alma. Amamos a um ser mortal como se fosse imortal. (...) Mas o amor é uma das respostas que o homem inventou para olhar a morte de frente. Por causa do amor, roubamos ao tempo que nos mata algumas horas que transformamos às vezes em paraíso e outras em inferno. De ambas maneiras, o tempo se distende e deixa de ser uma medida. Muito além de felicidade ou infelicidade, embora seja as duas coisas, o amor é intensidade: não nos presenteia a eternidade, mas a vivacidade, esse minuto em que se entreabrem as portas do tempo e do espaço: aqui é lá e agora é sempre. No amor, tudo é dois e tudo tende a ser um.