(...) A simplicidade é esquecimento de si, de seu orgulho e de seu medo: é quietude contra inquietude, alegria contra preocupação, ligeireza contra seriedade, espontaneidade contra reflexão, amor contra amor-próprio, verdade contra pretensão... O eu subsiste nela, é claro, mas como que mais leve, purificado, libertado ('desligado de si', como diz Bobin, 'desprendido de todo reino'). Faz muito tempo, até, que ele renunciou a buscar sua salvação, que já não se preocupa com sua perda. A religião é complicada demais para ele. A própria moral é complicada demais para ele. Para que essas perpétuas voltas sobre si mesmo? Nunca acabaríamos de nos avaliar, de nos julgar, de nos condenar... Nossas melhores ações são suspeitas; nossos melhores sentimentos, equívocos. O simples sabe disso e nem se importa. Ele não se interessa suficientemente para se julgar. Para ele, a misericórdia faz as vezes de inocência, ou a inocência, talvez, de misericórdia. Ele não se leva nem a sério nem a trágico. Segue seu pequeno caminho, de coração leve, alma em paz, sem objetivo, sem nostalgia, sem impaciência. O mundo é seu reino, e lhe basta. O presente é sua eternidade, e o satisfaz. Nada tem a provar, pois não quer parecer nada. Nada tem a buscar, pois tudo está ali. Há coisa mais simples que a simplicidade? Há coisa mais leve? É a virtude dos sábios, e a sabedoria dos santos."
(Pequeno tratado das grandes virtudes, André Comte-Sponville)
2 comentários:
Muito legal, parece a filosofia taoista, budista, o evangelho... Aliás, todos que se aprofundaram na filosofia descobriram que a simplicidade é a chave de nossa vida!
Maravilhoso!
( um "eu mais leve, purificado, libertado" é o que procuro - então, achei o caminho!!! :) )
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