domingo, 17 de abril de 2011

Muito além da análise

Já falei sobre o filme "Na natureza selvagem" aqui antes, mas acredito que o evento de ontem merece mais uma postagem. O Núcleo de Psicanálise da UniSantos voltou a realizar o Ciclo de Cinema: apresentação de um filme, seguida de discussão com convidados. Sendo o "Olhar da Psicanálise", dava para suspeitar o que viria...
Depois de pouco mais de duas horas de uma história incrível, imagens fantásticas, trilha sonora inspiradora e muita emoção, vieram a discussão e, acreditem, a análise psicológica do personagem principal, Christopher McCandless! Juro que as palavras "patologia", "incapacidade de desenvolvimento afetivo" e "falta de identificação com as figuras parentais" foram usadas. Fiquei passada! Os comentários, em sua maioria, se limitavam a aludir aos problemas familiares e a lamentar o que chamavam de "tragédia anunciada" e a vida perdida de um rapaz um tanto desmiolado. A ideia por trás era a de que ele não precisava arriscar sua vida só para fugir dos pais e da sua inabilidade de encarar a dor e os relacionamentos humanos. Uma senhora, que se declarou budista, disse que ele foi muito extremista e que deveria ter escolhido o "caminho do meio"!
A idolatria do ego e a redução da existência humana ao histórico familiar e pessoal e às tendências psicológicas! Será que a pergunta "quem sou eu?" se reduz a isso?
Com todo o respeito que tenho por psicológos (!), conseguiram acabar com o filme (melhor dizendo, teriam conseguido, não fosse o filme tão bom, independente de qualquer análise...). A história, para mim, mostra uma pessoa perfeitamente lúcida, que é capaz de perceber todas as ilusões e o vazio dos papéis e padrões sociais de que é cercada, e, numa atitude de coragem (e não de fuga!), transcende sua condição original e decide viver sem toda a bobagem de que a tal sociedade é feita. No meio de tanta cegueira, Christopher McCandless/Alexander Supertramp (meu Deus, ele era um esquizofrênico!) é o que consegue ver além das aparências e viver uma vida realmente autêntica, livre de todas as identificações e dependências (inclusive, ou principalmente, as psicológicas) e apego ao que é familiar e confortável (principalmente do ponto de vista psicológico). Ele consegue simplesmente Ser.
(Acredito que isso de Ser não é para aqueles que se prendem às explicações psicológicas - sejam elas boas ou más, acertadas ou totalmente equivocadas - da própria vida e da tal personalidade (não é ótimo ter uma? se for forte, então, melhor ainda!) e passam a viver somente em função delas, se definindo apenas em termos do que viveram e do que isso significa).
Mas nem tudo foi análise psicológica no evento de ontem. O jornalista, documentarista e professor Eduardo Rajabally lançou uma luz bem mais interessante sobre o filme. A partir da etimologia da palavra "experiência" (ligada tanto às palavras "provar" e "experimentar", quanto a "perigo"), ele falou sobre o significado de passar pelas situações e circunstâncias da vida e sair delas modificado. E esta é a beleza deste road movie. A estrada, o caminho, a travessia, os limites são os meios externos para uma jornada interior de transformação e descobertas.
Num mundo organizado em torno de brinquedos tecnológicos (quem vive sem seu celular ou seu iPod?), em que velocidade, volume de informação e muita opinião ditam o ritmo, a vida humana parece ter sido esvaziada de experiências. "Informação é o contrário de experiência" porque só conseguimos apreender os dados do mundo a partir de experiências alheias. "A ciência transformou o mundo da experiência no mundo do experimento". E neste esvaziamento das experiências humanas autênticas, nós passamos pela "estrada" de olhos vendados, apenas acumulando condicionamentos e conceitos inúteis sobre nós mesmos. "É por isso que filmes como esse são perturbadores. Porque nos fazem perceber que falta alguma coisa na nossa vida".
"Nós queremos fazer a mesma viagem que ele fez, mas queremos ir de CVC". Pois é! Quem tem coragem de abandonar o que é familiar em busca de algo maior? Quem é que tem coragem de Ser?

3 comentários:

Ana Flora Toledo disse...

Perfeito, Rose. Engraçado que muitos dos espectadores que comentaram depois de assistir ao filme, demostraram justamente a visão 'cega' a qual ele se refere durante o filme, já que consideraram o que ele fez algo extremista demais, coisa de um jovem revoltado e um pouco louco. Como disse o senhor que ele encontrou pouco antes de ir ao Alasca, ele era um jovem inteligente. Diferente de nós, ele teve a coragem de largar bens materiais e os 'brinquedos do nosso playground' para real e simplesmente viver.

Anônimo disse...

Talvez se tivesses maior conhecimento científico e não empirismo puro e ingênuo ou se tu estudasses o capitulo de Esquizofrenia de qualquer Tratado de Psiquiatria tu compreenderias melhor o filme.

Juju disse...

Achei o filme muito bom. O personagem alegava tanta independência e heroísmo o tempo todo, porém sempre dependeu de pessoas e materiais para isso. Se não fosse uma bota que ganhou, não andaria tanto assim. Se não fosse a espingarda, não conseguiria caçar. Se não fosse o ônibus, não teria onde dormir. Se não fosse o livro de ervas, também não as comeria, apesar de ter acontecido o que aconteceu. Acho que era uma pessoas que queria ser livre mas não sabia oq fazer para isso. Egoísta, mimado e sem noção acho que se encaixam perfeitamente com ele. Mas de novo, o filme é muito bom. Até chorei no final hahahah ; )