quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Escuta Só

Ler sobre música talvez seja desnecessário. O melhor mesmo é ouvir. Mas quando as palavras nos guiam por caminhos musicais desconhecidos, que nem pensávamos em percorrer, a música pode abrir universos inteiros de sons e de significação. E então aprendemos a ouvir.
Música como forma de conhecer o mundo é o princípio fundamental de Alex Ross, nosso guia em Escuta Só - Do Clássico ao Pop. O livro reúne artigos publicados na revista New Yorker e alguns inéditos, indo de Mozart a Radiohead, expandindo, assim, nosso próprio conceito de música.
"No fim das contas, a parte difícil de escrever sobre música não é descrever um som, mas descrever um ser humano", diz Ross. E é o que faz de Escuta Só não apenas um livro sobre música. São perfis que tentam apreender a alquimia do subjetivo com o abstrato. "Acima de tudo, eu quero saber como uma poderosa personalidade pode imprimir-se em um meio de natureza inerentemente abstrata - como uma breve sequência de notas ou acordes pode assumir as peculiaridades reconhecíveis de uma pessoa próxima."
Mozart, Schubert, Verdi, Brahms, John Luther Adams, John Cage. O maestro Esa-Pekka Salonen, as cantoras Marian Anderson e Lorraine Hunt Lieberson, o St. Lawrence Quartet. A música clássica na China, numa escola de Nova Jersey, num retiro de músicos. Radiohead, Björk, Bob Dylan. Escuta Só é um passeio por diferentes sonoridades com "alguns vislumbres  prolongados de todas essas naturezas sensíveis".
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"Certa vez o compositor Morton Feldman contou uma história sobre música e significado: 'Dois sujeitos visitam Haydn, dois jornalistas de Colônia. Perguntam-lhe sobre peças literárias, programáticas, e ele diz: 'Sim, escrevi uma peça que era um diálogo entre Deus e um pecador'. Grande tema, certo? E eles perguntaram: 'Qual é o nome da peça?'. Ele respondeu: 'Esqueci''.
A piada de Feldman, baseada num episódio da biografia de Haydn, poderia ter por objeto Johannes Brahms. Poderia ter sido contada por Brahms. Esse titã da música alemã, que Hans von Bülow pôs ao lado de Bach e Beethoven na liga dos 'três bês', tinha um senso de humor malicioso e com frequência fazia uma variação sobre aquela pequena dança com significado - uma ameaça de revelação, um rápido passo para trás.
(...)
O terror radiante das obras de Deus encontra um análogo num tour de force de estilos do passado e do presente. Seguem juntos chacona e lamento, Bach e Wagner, coral e melodia folclórica, banda de aldeia e orquestração protomodernista. O final da Quarta de Brahms é uma Götterdämmerung em nove minutos, um apocalipse em tempo restrito, história musical no osso. No centro, não há nada, o vazio cinzento que o primeiro movimento revelou em dois ou três lampejos amendrontadores. O conjunto todo parece uma prova convincente da máxima de Nietzsche de que sem música a vida seria um erro."

(Do capítulo "Abençoados sejam os tristes: O Brahms tardio")
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Ao final, Ross dá sugestões para ouvir algumas das obras comentadas ao longo do livro. Uma pequena lista está disponível no site http://www.therestisnoise.com/2006/07/listen-to-this-playlist.html
Uma das indicações é "Un sarao de la chacona", dança do século XVII, composta por Juan Arañés, interpretada por Jordí Savall com o Hispèrion XXI e La Capella Reial de Catalunya. Escuta só:

Um comentário:

O Neto do Herculano disse...

Música para ler,
livro para escutar.