terça-feira, 5 de outubro de 2010

Adoniran, uma biografia

Primeiro, conheci o autor. Depois, a obra. Celso de Campos Jr. veio a Santos para participar da segunda edição da Tarrafa Literária. Dividindo a mesa "A vida dos outros", com o jornalista Guilherme Fiuza, autor de Bussunda, a vida do Casseta e Meu nome não é Johnny, Celso falou sobre Adoniran, uma biografia.
A entrevista sobre o evento rompeu o que se podia esperar como barreira, talvez mais alimentada pelos próprios leitores do que pelos escritores. O contato ali, ao alcance da mão e da conversa, com uma pessoa de carne osso, responsável por um trabalho monumental, dessacralizava qualquer imagem, tornava real. A simplicidade do autor parecia destoar da grandiosidade da obra. Mas era isso mesmo. A pessoa falando do casamento de sexta-feira, a vinda pra Santos, o futebol de sábado à tarde e as mordomias do festival, era a mesma que tinha escrito a história da vida de ninguém menos que Adoniran Barbosa.
Só consegui ler o livro após o término da Tarrafa, e, apesar de pensar que teria aproveitado muito mais o evento se tivesse lido antes, posso me consolar acreditando que talvez aproveitei muito mais a leitura depois do festival. Relembrei histórias da vida do artista contadas no palco e descobri muitas outras - histórias que revelaram um Adoniran desconhecido e, ao mesmo tempo, recriaram a figura do Adoniran com que cresci.
Logo que iniciou a venda de compact disc no Brasil, ter o aparelho e álbuns era raridade. Quando finalmente a novidade chegou à minha casa, no início dos anos 90, o número de cds que possuíamos não ultrapassava dez. Entre eles, havia um álbum dos Demônios da Garoa. Já conhecia algumas músicas, mas não me cansava de ouvir e me divertir com a sonoridade e a letra de canções como Samba Italiano, As Mariposa e Samba do Arnesto. Não lembro se já associava o grupo à figura de Adoniran. O primeiro contato consciente com o artista (digo consciente, porque, no borrão da memória, recordo de festas de família com Trem das Onze ao fundo) veio com a novela Sassaricando. Tiro ao Álvaro, gravada com Adoniran e Elis Regina, compunha a trilha sonora. "De tanto levá frechada do teu olhar, meu peito até parece sabe o quê? Táubua de tiro ao Álvaro. Não tem mais onde furá." Aos meus ouvidos infantis, a letra soava como um misto de poesia e brincadeira de criança.
Cristalizou-se aí a imagem do artista brincalhão. Depois veio a do artista boêmio. E com a maturidade, a do grande cantor e compositor. Agora, após ler o trabalho do Celso, o meu Adoniran cresceu. Continua sendo o brincalhão, o boêmio, o cronista musical. Mas é mais. Muito mais.




(Programa Ensaio, ou MPB Especial, da TV Cultura, gravado em 1972)

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