quinta-feira, 12 de junho de 2008

Dia dos Namorados

Sei que esse é mais um dia comercial no calendário capitalista do ano. Mas se é para celebrar o amor, why not? Se a gente esquecer as "promoções", os inúmeros anúncios e o que já se tornou o dever de comprar alguma coisa para o ser amado, este pode ser um dia realmente significativo. O presente deveria ser apenas um símbolo para lembrar a outra pessoa como ela é importante para nós, não uma obrigação que lota shoppings com namorados indiferentes à procura do "produto perfeito". Se a idéia é expressar o amor, não precisa ser com a blusa cara ou o último modelo de celular. Cada dia, os presentes se tornam mais impessoais, e o amor, onde fica? Presentes significativos podem ser os mais simples. Ainda lembro quando a gente fazia na escola presentes para os dias das mães com palitos de sorvete e elas realmente se emocionavam com aquilo. Não estou propondo novas versões de porta-jóias com palitos, mas criatividade e carinho sincero podem ser encontrados em diferentes formas e de diferentes maneiras. Gravar um cd com as músicas favoritas, copiar à mão um poema lindo de morrer, fazer um buquê com flores de jardim... Acho que ainda sou do tempo em que ser romântico era ser espontâneo e verdadeiro.
Bom, mas se as pessoas realmente se amam (e é isso o que no fundo importa), vamos deixá-las felizes com suas compras e despesas no cartão de crédito. É o romantismo à moda capitalista.
E se é para falar de amor sincero, lembrei de um texto maravilhoso do Artur da Távola. O senador, falecido este ano, apresentava o programa "Quem tem medo da música clássica?", na TV Senado. Era sua a frase "Música é vida interior e quem tem vida interior, jamais padecerá de solidão". O texto "Ter ou não ter namorado" parece sintetizar uma coisa simples e, no entanto, tão difícil de se concretizar quando se fala em amor: a coragem verdadeira de amar. Não o amor banho-maria, o pão amanhecido, o café requentado do dia anterior. Mas o amor que nos faz sentir realmente vivos e eternos.
Para os apaixonados (com namorado ou não), aqui está o texto:

Ter ou não Ter Namorado(Artur da Távola)

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor: É quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho. Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria. Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. É fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar. Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário. Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro. Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele. Não tem namorado que confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado é porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de queimar-se em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio. Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.
"Enlou-cresça"

2 comentários:

Eliza Araújo disse...

rose,
agradeço muito a visita. outro dia vim aqui e li um texto acho que do mário de andrade que fez o meu dia. :)

também adoro revisitar coisas boas. também adoro filosofia e literatura. vamos trocar mais figuras, sim?
abraços.

Rosa Marques disse...

"Não o amor banho-maria, o pão amanhecido, o café requentado do dia anterior. Mas o amor que nos faz sentir realmente vivos e eternos."
Quem precisa de mais além disso? O mais simples e que nós, seres humanos, conseguimos complicar...
Parabéns pelo lindo texto, que foi complementado com chave de ouro pelo texto do maravilhoso Artur da Távola.