terça-feira, 4 de setembro de 2012

"Há quem, acompanhado pomposamente até a sua casa por um povo entusiasmado, de volta de alguma cerimônia pública, só encontre, ao despir a toga, mesquinharias e tormentos. E cai de tanto mais alto quanto mais bela a festa. E mesmo que os atos humildes da vida privada se ordenassem admiravelmente, fora preciso um juízo penetrante e particularmente lúcido para constatá-lo, pois a ordem é uma virtude sem brilho e que não atrai atenção. Tomar de assalto uma trincheira, desempenhar uma missão, governar um povo, são ações de realce; admoestar, rir, vender, comprar, amar, odiar, conversar com os seus e consigo mesmo, docemente, razoavelmente, sem relaxar nem se contradizer, são coisas mais raras, mais difíceis e menos notáveis. Os que vivem afastados da sociedade têm deveres tão complexos e árduos quanto os outros; e os simples cidadãos, diz Aristóteles, praticam a virtude em condições mais difíceis e elevadas do que os que desempenham funções públicas. É mais pelo desejo de glória do que por convicção e consciência que buscamos as situações de relevo. O meio mais eficiente de conquistar a glória deveria ser o de realizar o que por ela realizamos tão-somente por injunção da consciência. A própria coragem de Alexandre parece-me, no teatro em que se praticava, bastante inferior à que desenvolveu Sócrates no meio elevado e obscuro em que viveu. Imagino facilmente Sócrates no lugar de Alexandre, mas não vejo este no lugar daquele. Perguntai a Alexandre o que sabe fazer. Dirá: subjugar o mundo. Indagai o mesmo de Sócrates e responderá: viver a vida humana de acordo com as condições estabelecidas pela natureza. Ciência bem mais alta, mais pesada e mais digna.
O mérito da alma não consiste em se elevar mais alto e sim em se conduzir ordenadamente. Sua grandeza não se manifesta na grandeza, mas na mediocridade."

("Do arrependimento", Ensaios, Montaigne)

2 comentários:

Invista, profª!!!! disse...

é no ordinário cotidiano que somos...
[texto maravilhoso!]

O Neto do Herculano disse...

Elevo-me na mediocridade,
me perco por tolos caminhos,
sempre em busca de lugar algum.