Hoje vivi a minha própria versão do Pequeno Príncipe.
Ao invés do deserto, o cenário era a praia. Manhã cinzenta de chuva e vento frio. Fui até o mar para deixar as pernas imersas na água, verdadeira salmoura. A praia estava praticamente vazia. Na beira da água, uma menina brincava sozinha enquanto a mãe, afastada, conversava com uma senhora. Após meia hora de terapia, quando me preparava para partir, uma vozinha me chamou. Ela não me pedia que lhe desenhasse um carneiro, mas fazia um convite: "Moça, quer enterrar os pés na areia comigo?". Fui para o raso. "A gente não precisa fazer nada, é só deixar o mar cobrir nossos pés". A sensação era de alegria gratuita, a infância mais perto que nunca. "Agora vamos pular onda?". Expliquei que não podia e mostrei os joelhos machucados. "Onde você fez isso?"."Caí de bicicleta."."Você não sabe andar de bicicleta? Então tem que usar rodinha." Ela pulava e eu afundava os pés. Cada onda era um riso. "Posso segurar a sua mão?" Ela pulava ondas maiores e se apoiava em mim. De repente parava, abria bem os braços e fazia uma inspiração profunda. "Agora vamos apreciar a praia". A pequena yoguini me ensinava mais que os livros de filosofia. Uma japonesinha de seis anos de idade, risada de guiso de estrela, olhos verde-escuros, da cor do mar. Marina, o nome dela. Apreciamos a praia, os navios ao longe, a promessa de sol e a faixa azul do céu limpo lá na linha do horizonte, os pássaros pertinho - "tá vendo?" -, o vento no rosto - "tá sentindo?". Tudo era bom. Estar ali, reconhecer cada coisa que se movia e encontrar prazer nisso eram a diversão e a aprendizagem. Ela me contou, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que sabia voar. Tinha asas imaginárias. Uma onda mais forte e num impulso ela pulou no meu colo. Nem me importei por ela estar toda molhada e eu morrendo de frio. Brincamos mais de mar e fizemos mais um amigo, Giovani. "Agora vamos fazer castelo?", "Vamos, mas eu não posso me abaixar.","Você vai ser a juíza e me dizer se o meu castelo está bom.". Acabou fazendo macarrão. Não, era arroz e feijão. Ensinei a fazer castelo de gotinhas. "Parece um bolo de chocolate.". Conversamos sobre bolinho de chuva. Uma hora inteira de brincadeira. O vento soprava mais forte e finalmente ela admitiu que estava com frio. Decidimos ir embora, sem tristeza alguma na despedida, apenas gratidão.
Antes de começar a escrever esse texto, abri meu email e encontrei essa frase do Guimarães Rosa, enviada hoje por minha irmã:
"Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer."
Agradeço o presente. E agradeço à Marina, menina dos olhos da cor do mar, pela lição de alegria.
Um comentário:
que maravilhoso rose maria. Viva marina. viva a alegria, sempre! =]
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