"Eles percorriam as ruas juntos, sacando tudo com aquele jeito que tinham nesses primeiros anos, e que mais tarde se tornaria mais amargurado, penetrante e vazio. Mas, nessa época, eles dançavam pelas ruas como peões frenéticos, e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda a minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop - pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos 'aaaaaaah!'"
"A única coisa pela qual ansiamos em nossos dias de vida, e que nos faz gemer e suspirar, sujeitos a todos os tipos de dóceis náuseas, é a lembrança de uma alegria perdida, provavelmente experimentada no útero, e que somente poderá ser reproduzida (apesar de odiarmos admitir isso) na morte. Mas quem quer morrer?"
"Amarguras, recriminações, conselhos, moralidade, tristeza - tudo lhe pesava nas costas, enquanto à sua frente se descortinava a alegria esfarrapada e extasiante de simplesmente ser."
"Relembrávamos essas coisas todas e suávamos. Tínhamos nos esquecido totalmente das pessoas sentadas à frente, e elas começaram a se perguntar o que estava se passando no assento traseiro. A certa altura, o motorista falou: - Pelo amor de Deus, vocês estão fazendo o carro balançar aí atrás. - E estávamos mesmo! O carro oscilava de um lado para outro, enquanto Dean e eu balançávamos no mesmo ritmo, e AQUILO era nossa alegria excitada e derradeira, a alegria que tínhamos de falar e viver, e que nos conduzia em direção ao transe definitivo e vazio de todas as inumeráveis partículas cerimoniais e angélicas que haviam estado soterradas no fundo de nossas almas toda a vida.
- Ah, homem! homem! homem! - balbuciou Dean. - E isso é apenas o começo... agora finalmente estamos juntos, indo para o leste, nunca tínhamos ido para o leste juntos, Sal, pense nisso, vamos curtir Denver juntos e ver o que todos estão fazendo, mesmo que isso não nos interesse muito, a questão é que nós sabemos o que AQUILO significa, e sacamos a VIDA e sabemos que tudo está ÓTIMO. - Depois, puxando-me pela manga e suando, ele me segredou: - Agora dê uma olhada nesse pessoal aí na frente. Estão preocupados, contando os quilômetros, pensando onde irão dormir esta noite, quanto dinheiro vão gastar em gasolina, se o tempo estará bom, de que maneira chegarão aonde pretendem... e, quando terminarem de pensar, já terão chegado aonde queriam, percebe? Mas eles têm que se preocupar e trair seus horários, cada minuto e cada segundo, entregando-se a tarefas aparentemente urgentes, todas falsas, ou então, a desejos caprichosos angustiados e angustiantes; suas mentes jamais descansam , não encontram paz, a não ser que se agarrem a uma preocupação explícita e comprovada, e, depois de encontrar uma, assumem expressões faciais adequadas, graves e circunspectas, e seguem em frente, e tudo isso não passa, você sabe, de pura infelicidade, e durante todo esse tempo a vida passa voando por eles, e eles sabem disso, e isso também os preocupa, num círculo vicioso que não tem fim."
***
Aproveito pra agradecer meu amigo Alexandre Moreira, que me emprestou o livro, apesar do risco declarado que corria de não mais rever seu exemplar. Gostei da prática adotada pelo Sr. Moreira de permitir que seus amigos deixem um recado na folha de rosto do livro, com uma mensagem, o nome e a data do empréstimo. Chamou minha atenção o recado de um amigo em comum, Daniel Alexandrino, antigo companheiro de debates literários. Tomo a liberdade de reproduzi-lo aqui:
"'On the Road' é... é... REVITALIZANTE, a palavra é esta. Apesar de parecer adjetivo próprio de shampoo, desta vez, tomo-a emprestada e qualifico um livro. Valeu Moreira!! (atual dono do livro; depois do famoso e público 'furto do sebo', em 95). Muito rica a leitura!! Daniel. 05/98"
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