Em Idéia de uma história universal sob o ponto de vista cosmopolita, Kant apresenta a proposta de escrever uma história filosófica a partir de um questionamento e uma investigação central: a tentativa de descoberta das leis naturais universais que, embora sem serem totalmente conhecidas, guiam as ações do homem, de modo a realizar o propósito da natureza.
Segundo Kant, as ações humanas são regidas por leis universais impostas pela natureza que procura, através do fio condutor da razão, alcançar seu propósito: o bem, como a realização máxima de todas as disposições naturais humanas. A natureza dotou o homem com a razão e espera dele, por meio do uso racional de suas capacidades, o desenvolvimento de suas potencialidades, que levaria a humanidade a um grau de "máxima rudeza à máxima destreza e à perfeição interna do modo de pensar e, mediante isso, à felicidade."
Para conseguir atingir seu fim, a natureza faz uso do antagonismo inerente ao homem, representado pelas tendências opostas de associar-se e isolar-se - é a chamada "insociável sociabilidade", ou seja, a necessidade que o homem tem de viver em grupo e, ao mesmo tempo, assegurar seus próprios interesses. Apesar de seus traços negativos, Kant vê nesta oposição uma força propulsora que impulsiona o homem a superar a si mesmo. O antagonismo é, portanto, um dos instrumentos utilizados pela natureza para alcançar seu propósito, pois se os homens vivessem em perfeita harmonia, "de tão boa índole como as ovelhas que apascentam", não seriam impelidos a desenvolverem suas disposições naturais. Assim, a intratabilidade da natureza é necessária para a evolução moral e racional da espécie humana, uma vez que é através do conflito e da tensão de forças opostas que o homem tende ao bem.
Neste sentido, Kant vê também as guerras como algo necessário para o propósito da natureza, já que elas representam uma tentativa de criar novas relações entre os Estados. A natureza, em sua intratabilidade, serve-se de todos os meios para atingir seu fim.
Outro aspecto ditado pela natureza é a necessidade que os homens têm de um senhor, para limitar sua liberdade e instaurar uma vontade universalmente válida, ou seja, o bem comum. Este senhor ou chefe supremo deveria ser o representante máximo da justiça entre os homens, responsável por conduzir a humanidade para o bem maior. Para Kant, o líder perfeito depende de uma constituição civil perfeita, que por sua vez depende de uma melhor relação entre os Estados. Estes, refletindo o antagonismo próprio dos homens, também se opõem uns aos outros, mas, em sua evolução, dariam origem a um Estado universal.
A oitava proposição de Kant resume sua concepção:
"Pode-se considerar a história da espécie humana, em seu conjunto, como a realização de um plano oculto da natureza para estabelecer uma constituição política perfeita internamente e, quanto a este fim, também exteriormente perfeita, como o único estado no qual a natureza pode desenvolver plenamente, na humanidade, todas as suas disposições."
Embora Kant prevesse tal evolução da humanidade para tempos ainda longínquos e indeterminados, hoje, alguns séculos após seus escritos filosóficos, ainda não podemos vislumbrar, nem mesmo ao longe, a realização de um Estado universal e de todas as disposições humanas. Se considerarmos a visão evolucionista da história segundo Kant, ainda estamos na fase em que a intratabilidade da natureza não produziu seus frutos positivos e reconciliadores. A realização do grande propósito da natureza exige "conceitos exatos da natureza de uma constituição possível, grande experiência adquirida através dos acontecimentos do mundo e, acima de tudo, uma boa vontade predisposta a aceitar essa constituição." No atual estágio da humanidade, parece que nenhuma destas exigências está perto de ser satisfeita.
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