Literatura e cinema. Será que uma grande obra literária sobrevive à sua adaptação cinematográfica? Estava até com medo de assistir a On the road, só para não ter que pensar nestas questões, aliás, bem batidas. Livro é livro, filme é filme, e é inútil tentar comparar duas linguagens tão específicas e distintas entre si. Mas no caso de Jack Kerouac, não resisti à tentação da comparação.
Além de perder a forte sensação de "vida vivida" provocada pelo texto, meu maior receio antes de ver o filme era o de encontrar alguns de meus personagens literários favoritos mortos e esquartejados. Bom, Sal Paradise e Dean Moriarty até estão bem representados em sua versão cinematográfica, mas não são o Sal Paradise e o Dean Moriarty a quem contemplei, muito mais que libertários de tabus sociais, como verdadeiros espíritos livres, de uma liberdade de outra espécie, uma dimensão outra do que é ser livre.
Além da diferença - natural, por sinal - de representações mentais, quem ama o livro também corre o risco de esperar em vão pelas citações de algumas de suas passagens favoritas na narração em off. A delícia das palavras se perde...
A propósito da relação entre literatura e cinema, Gabriel García Márquez disse algo genial, em uma entrevista a Glauber Rocha:
"Um texto literário, de qualidade, é infilmável. Nada mais anticinematográfico que uma novela. Um filme baseado em roteiro não passa de uma ilustração, que pode ser bem feita, mas perderá sempre uma certa dimensão. Um poema é muito mais perto de um filme. Se eu fosse cineasta filmaria como se escrevesse um poema, inventando imagens."
Cinema e literatura. Talvez também seja válido o questionamento na direção oposta do fluxo entre as duas artes. Será que o filme, por si só, é capaz de criar o entusiasmo pela obra de Kerouac e levar os espectadores que não a conhecem a procurar e explorar seus livros? No caso de On the road, tenho minhas dúvidas...
Discussões batidas à parte, fica a dica. Do filme. E principalmente do livro.
"Amarguras, recriminações, conselhos, moralidade, tristeza - tudo lhe pesava nas costas, enquanto à sua frente se descortinava a alegria esfarrapada e extasiante de simplesmente ser."
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